A série Retrospectiva Brasil é uma análise anual da Transparência Internacional – Brasil sobre os principais acontecimentos relacionados ao combate à corrupção e promoção da transparência e integridade no país.
Introdução
O ano de 2020 foi de poucos avanços e muitos retrocessos na luta contra a corrupção no Brasil. Um dos mais graves foi a perda de independência e crescente ingerência política sobre órgãos fundamentais como a Procuradoria-Geral da República e a Polícia Federal.
A renúncia do ministro da Justiça Sérgio Moro com acusações graves contra o presidente Jair Bolsonaro e casos de destaque, como as investigações sobre o senador Flávio Bolsonaro, potencializaram as preocupações sobre o uso de estruturas do estado para benefícios pessoais de uma elite política.
Outro sério revés na luta anticorrupção foi a pressão política e institucional que levou ao desmantelamento das forças-tarefa Lava Jato e Greenfield. O ano terminou com incertezas quanto à continuidade do modelo de força-tarefa, inovação que, junto com os acordos de leniência e colaboração premiada, ofereceu condições centrais para o avanço das investigações sobre grandes esquemas de corrupção no país. Ao invés de se aprimorar e corrigir problemas de um modelo em larga medida bem sucedido, vem prevalecendo os interesses dos que desejam estancar o combate à corrupção.
A pandemia da Covid-19 também impôs seu peso à luta contra a corrupção. Como em muitos países, a administração pública brasileira teve que flexibilizar as regras de contratações para poder responder às despesas de emergência. Os inúmeros casos de corrupção mostraram suas consequências mais perversas em meio à terrível crise humanitária. No Brasil, a falta de integridade de governantes literalmente tirou o oxigênio das pessoas.
A pandemia também levou à redução do debate público e do controle institucional e social de atos oficiais, devido a atrasos nas respostas à Lei de Acesso à Informação, sessões remotas e regimes especiais de tramitação legislativa, que distanciaram ainda mais a sociedade das decisões públicas.
Como nota positiva, no entanto, 2020 assistiu a uma forte e corajosa mobilização da sociedade civil denunciando e impedindo retrocessos ainda mais graves, em meio à onda autoritária de ataques às ONGs e à imprensa – potencializada pelo discurso de ódio do próprio presidente da República. As eleições locais de 2020 tiveram quase nenhum debate propositivo sobre o combate à corrupção e o partido com maior número de processados pela Lava Jato (PP) foi o grande vitorioso no pleito. Mas os resultados parecem apontar para um pouco mais de diversidade, com mais eleitos oriundos de grupos minoritários e historicamente excluídos – o que é essencial para o combate à corrupção pela via democrática. E mesmo em meio a tanta notícia ruim sobre escândalos de corrupção na pandemia, o copo também deve ser visto aqui como meio cheio, pois a identificação dos esquemas só foi possível porque existe um aprimoramento real dos órgãos de controle brasileiros, em todos os níveis.
Em 2020, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que a corrupção era um problema do passado. Ele estava errado. A corrupção continua a ser um problema sistêmico no Brasil, que contamina a democracia e impede o desenvolvimento sustentável e socialmente justo do país. Não é através de soluções populistas e autoritárias que se constrói um país íntegro. É através de leis, instituições e, principalmente, uma cidadania livre, consciente e ativa na luta por seus direitos.