O ano de 2024 evidenciou a influência desproporcional que certos atores privados exercem sobre o processo legislativo, ressaltando a importância da regulamentação do lobby, de modo a assegurar mais transparência e controles contra a ingerência privada e em favor da equidade na participação social no Poder Legislativo. A regulamentação da reforma tributária, por exemplo, mostrou como a assimetria de acesso pode resultar em desvirtuações do sistema tributário, fomentando privilégios e prejudicando a população. Nesse sentido, análise da BBC News Brasil revelou como diversas emendas apresentadas ao texto foram redigidas total ou parcialmente por funcionários de empresas privadas diretamente interessadas no assunto. O lobby setorial desenfreado acabou resultando em um elevado número de exceções, prejudicando, segundo especialistas, a efetividade da reforma.
Outro exemplo da influência desproporcional de certos setores foi visto na discussão do pacote de ajuste fiscal anunciado pelo governo em novembro, que tentava conciliar corte de gastos com equidade. Entre as medidas estava a limitação dos chamados “supersalários” — remunerações que excedem o teto constitucional previsto para o funcionalismo público. De acordo com a PEC do governo, somente poderiam exceder o teto “as parcelas de caráter indenizatório expressamente previstas em lei complementar de caráter nacional aplicada a todos os Poderes e órgãos constitucionalmente autônomos”, o que, segundo estimativas, poderia resultar em economia de até R$ 5 bilhões ao ano. No texto aprovado, porém, a lei complementar foi substituída por lei ordinária — de mais fácil aprovação —, e autorizou-se a manutenção de todos os benefícios até a edição da referida lei, sem a estipulação de qualquer prazo para tanto. A preservação dos supersalários foi resultado de intenso lobby de carreiras jurídicas, em especial de juízes e procuradores.
Ainda outro exemplo notável ocorreu em relação a projetos do setor de energia, que vem sendo marcado por controvérsias (veja mais na seção sobre o Poder Executivo). No projeto de lei que regulamenta as chamadas eólicas offshore, parlamentares introduziram “jabutis” — emendas sem pertinência temática com a matéria — com incentivo a carvão mineral e gás. O texto aprovado determina, por exemplo, a contratação compulsória de térmicas a gás e a prorrogação da contratação de térmicas a carvão, em clara tensão com a transição energética que o projeto visa fomentar. Segundo associações e entidades do setor elétrico críticas aos dispositivos, os jabutis podem custar R$ 22 bilhões anualmente e levar a um aumento de 9% na energia elétrica para consumidores. Conforme relatos da imprensa, citando fontes do setor elétrico, as emendas foram customizadas para atender a interesses dos irmãos Batista, donos da holding J&F, e de Carlos Suarez, dono da Termogás e conhecido como “rei do gás”. Os primeiros estariam sendo beneficiados por uma de suas usinas a carvão incluídas entre aquelas cujo contrato seria prorrogado, ao passo que Suarez seria beneficiado pela contratação obrigatória de térmicas a gás.
Embora o esforço por influenciar a elaboração de novas normas legais seja inerente ao contexto democrático, a ausência de regulamentação fortalece a assimetria com que tal influência é exercida. Disto decorre, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), a necessidade da regulamentação dessas práticas. Embora sobrem exemplos no Brasil dos efeitos do lobby desenfreado e a prática esteja em alta, 2024 viu poucos avanços na sua regulamentação. O projeto de lei 2.914/2022, aprovado em 2022 pela Câmara dos Deputados, foi aprovado apenas em dezembro de 2024 pela Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor do Senado, e agora aguarda avaliação por parte da Comissão de Constituição e Justiça da Casa.