A cassação do mandato de Deltan Dallagnol pelo TSE ontem* produzirá efeitos sistêmicos para a Justiça e a democracia no Brasil. A atipicidade da dinâmica processual e da fundamentação empregadas desgastam o instrumento da Lei da Ficha Limpa, agravam a insegurança jurídica e fragilizam a representação democrática no país.
Ampliar hipótese de inelegibilidade, prescindindo do requisito literal e objetivo da lei sobre existência de procedimento administrativo disciplinar (PAD), ameaça direitos políticos fundamentais, resguardados pela Constituição e tratados internacionais.
Este precedente acarreta perigo sistêmico, uma vez que a interpretação extensiva do TSE poderá logo ser aplicada a outros casos por juízes eleitorais em todo o Brasil, inclusive para outras hipóteses de inelegibilidade previstas na Lei da Ficha Limpa.
A alteração casuística do entendimento jurisprudencial amplia os riscos de utilização abusiva da Lei da Ficha Limpa, enfraquecendo um instrumento fundamental de enfrentamento da corrupção política e prejudicando a representação democrática.
Por se tratar de agente público que atuou em casos de macrocorrupção envolvendo indivíduos do mais alto poder, a atipicidade da decisão também amplia a insegurança jurídica e o chamado “chilling effect” a agentes da lei atuando contra interesses poderosos.
Vale notar que o TSE reverteu decisões de instâncias inferiores (em sede recursal por unanimidade) e contrariou manifestações do MP pelo deferimento do registro (inclusive do PGE). A unanimidade, nesse caso, não é sinônimo de ausência de controvérsia jurídica sobre o caso.
Nestes termos, a revogação de mandato de membro do Congresso Nacional produz impacto adicional sobre a confiança da sociedade no processo eleitoral. Em um contexto de impunidade sistêmica da corrupção política, esta desconfiança se amplia sobre a Justiça — já seriamente atacada.
Há anos defendemos a imposição de quarentenas para candidaturas de procuradores, juízes e militares, por acreditar que a aproximação entre as atividades de aplicação da lei e de representação político-partidária traz sérios riscos à Justiça e à democracia.
É fundamental que o Brasil discuta e implemente mecanismos para aprimorar esta separação. Mas é essencial que o faça através do progresso dos marcos legais e institucionais e, principalmente, respeitando e promovendo direitos.
* este texto foi publicado originalmente no Twitter em 17/maio/2023: