PEC 5/2021 opta pelo controle político ao invés do controle democrático do Ministério Público

Tramitando de forma açodada e sem participação, a Proposta de Emenda à Constituição não enfrenta o problema mais grave de abusos na base e traz o risco de transformar a atual impunidade em punibilidade seletiva dos membros do MP

A Câmara dos Deputados poderá votar nas próximas horas a Proposta de Emenda Constitucional que altera a estrutura e as competências do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). A Transparência Internacional – Brasil alerta para a importância do tema em discussão e o impacto possível na independência funcional dos membros do Ministério Público brasileiro. 

O CNMP foi instituído em 2004, no mesmo contexto de criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ambos são instituições cuja função principal é zelar pela correção da atuação de promotores de justiça, procuradores da República e magistrados sem, contudo, interferir em sua independência, já que uma das grandes preocupações do Constituinte em 1988 foi a de conferir as garantias necessárias ao bom funcionamento do Poder Judiciário e das funções essenciais à Justiça. O tempo mostrou que, para que esse funcionamento fosse adequado, eram necessárias formas de controle democrático. Por isso, a composição desses órgãos traz, além de membros das próprias carreiras, também integrantes capazes de trazer perspectivas externas e mitigar riscos de corporativismo. Entretanto, tanto o CNMP quanto o CNJ ainda não foram capazes de cumprir plenamente com as elevadas expectativas de controle democrático. 

Nesse sentido, é salutar que o Congresso e a sociedade debatam o papel do CNMP. É fundamental que os integrantes do Ministério Público — e quaisquer carreiras de Estado — percebam-se balizados por regras de conduta e, quando o caso, sejam responsabilizados por atos ilegais.  

Contudo, a discussão para o aperfeiçoamento do controle existente não deve ser feita de forma açodada e casuística. Reformas constitucionais, por sua importância, demandam maior atenção, participação e tempo de discussão. A despeito da complexidade do tema tratado e seu enorme potencial de impacto social, a PEC chega à votação em tempo recorde e sendo objeto de discussão em apenas uma audiência pública, da qual participaram somente representações das carreiras afetadas e nenhuma entidade defensora dos inúmeros direitos coletivos tutelados pelo Ministério Público.  

A PEC 05/2021 não é o primeiro projeto tratando de temas de grande interesse público e que tem sua tramitação acelerada desta maneira na atual legislatura. Ao contrário, acumulam-se as tentativas de retrocessos no sistema brasileiro anticorrupção, na gestão ambiental e na proteção dos direitos indígenas, com a reforma do regimento interno da Câmara dos Deputados e utilização de procedimentos heterodoxos, cujo objetivo não parece ser outro senão o de cercear o exercício democrático do direito que tem a sociedade de conhecer e manifestar-se a respeito de temas que dizem respeito aos destinos do país.  

A PEC 05/2021 prioriza, como solução de accountability, a ampliação da influência sobre as nomeações de membros do CNMP por parte do Congresso Nacional – ou por suas maiorias parlamentares de ocasião.  Há, entretanto, outros caminhos para o debate sobre o aperfeiçoamento do controle democrático do Ministério Público que não pela via equivocada e perigosa do controle político. 

O MP é uma das instituições públicas mais opacas e, recentemente, esta condição se agravou com a portaria 454/2018, que estendeu enormemente o rol de informações de acesso restrito, sob a justificativa de adequação à Lei Geral de Proteção de Dados. Portanto, são fundamentais as medidas que ampliem substancialmente a transparência do Ministério Público, inclusive para combater privilégios de que goza a carreira. 

No campo correcional, pode-se reforçar a responsabilização por abusos e violações dos deveres funcionais sanando-se a dispersão da normativa disciplinar entre os MPs de cada estado e da União, que gera insegurança jurídica e dificuldade na atuação correcional do CNMP. Neste sentido, a Transparência Internacional – Brasil apoiou, em 2018, a elaboração de um projeto de lei para a unificação do regime disciplinar do MP. Aqui, cabe registrar um ponto meritório da PEC 05/2021 que também vai nesta direção, determinando a elaboração de um Código de Ética unificado do MP. 

Ainda mais fundamental seria que o debate sobre controle do MP se orientasse também — e primordialmente — à dimensão da atuação institucional onde verdadeiramente se concentram os problemas mais graves, isto é, no punitivismo exacerbado contra a parcela mais vulnerável da população. O debate atual parece passar ao largo dessa realidade trágica e de soluções que possam cessar a conivência com a violência policial e combater o racismo institucional na atividade persecutória do Ministério Público. 

As medidas prioritárias devem ir na direção de aproximar a instituição e seu sistema correcional das parcelas sociais mais vitimadas por abusos e negligências de seus membros. São medidas como a ampliação e qualificação do trabalho de ouvidorias na ponta e a democratização do acesso aos órgãos correcionais (inclusive o próprio CNMP), por exemplo através de convênios com outros órgãos públicos e entidades civis defensoras dos direitos humanos, para que representações vindas da base também sejam acolhidas adequadamente. 

Ao invés de propor mecanismos de controle democrático do Ministério Público, a PEC 05/2021 opta pelo caminho mais fácil e muito mais perigoso do controle político. Este atalho poderá levar do atual quadro de impunidade no MP para o de punibilidade seletiva. Ela não endereça o problema mais grave de abusos na atuação do MP na base e traz de volta o problema, anterior à Constituição de 1988, de um MP muito mais vulnerável às pressões vindas do topo. 

Ao privar a sociedade de uma discussão fundamentada, participativa e plural sobre o melhor modelo para o MP, o país corre sério risco de aprofundar, ainda mais, o mais grave dos problemas de seu Sistema de Justiça (e da nação): a desigualdade

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