O aniversário da intentona golpista de 8 de janeiro de 2023 deve servir para que se fixe à memória nacional um dos episódios mais infames de nossa história. Também deve ser celebrado pela vitória da democracia brasileira sobre o golpismo de Jair Bolsonaro, um presidente conspirador e corrupto.
A democracia se cultiva pela memória, mas ainda mais pelas ações do presente. Hoje, dois anos depois, a vitória democrática está sob sério risco.
O Brasil padeceu de um processo traumático de desinstitucionalização durante os quatro anos de Bolsonaro no poder, do qual, claramente, não se recuperou.
Exemplo maior dessa deterioração institucional continuada é a forma abusiva, opaca e autoritária como o principal tribunal do país está julgando os ataques de 8 de janeiro e a conspiração golpista.
O Supremo Tribunal Federal teve inequívocos méritos protegendo a ordem constitucional e freando, corajosamente, os abusos de Bolsonaro, que delinquiu sistematicamente sob guarida de um PGR vassalo e colaboracionista e um Congresso comprado com Orçamento Secreto.
Hoje, porém, ações do próprio STF são vetores de desinstitucionalização e descrédito da sociedade na Justiça e na democracia.
De um lado, o Supremo vem decretando anistia geral e irrestrita a centenas de empresários e políticos, envolvidos nos maiores e mais bem documentados esquemas de corrupção da história. Promove a impunidade dessa elite e, ao mesmo tempo, a inadimplência de empresas criminosas, suspendendo e perdoando multas bilionárias – inclusive aquelas que deveriam ressarcir cidadãos diretamente lesados. Tudo isso sob argumentos que alargam ao paroxismo o conceito elástico de “devido processo legal”.
Do outro lado, nos casos do 8 de janeiro, o mesmo conceito do “devido processo legal”, pilar de qualquer sistema civilizado de justiça, é constringido em grau inédito na história republicana do nosso tribunal constitucional.
É no âmbito social que essa desinstitucionalização continuada produz efeitos ainda mais graves, através da normalização generalizada do arbítrio.
É estarrecedor o silêncio tolerante frente a processos criminais que suprimem instâncias revisoras de penas draconianas, que permitem um juíz vítima de um plano de assassinato julgar seus conspiradores, que mantêm prisões fora do prazo legal sem acusações, que fazem advogados apresentarem suas sustentações orais em vídeos gravados e outros abusos espantosos levados à cabo pelo tribunal constitucional do país.
É extremamente preocupante que todo este repertório de arbítrio esteja sendo considerado, por setores ilustrados e respeitáveis da sociedade civil, da imprensa e da academia como defesa da democracia.
O Brasil reconstruiu rapidamente, com cal e pedra, a Praça dos Três Poderes. Urge que o faça com valores.
Democracia forte
A Transparência Internacional – Brasil se junta ao Pacto pela Democracia e outras organizações da sociedade civil pela agenda Democracia Forte, uma iniciativa de proteção ao Estado Democrático de Direito no país.
O documento apresenta 38 diretrizes, organizadas em oito pilares essenciais à integridade do sistema democrático, como o equilíbrio entre os Poderes da República, a defesa e fortalecimento do sistema eleitoral e qualificação e promoção do debate público.
Para marcar o lançamento da iniciativa e o aniversário de dois anos dos ataques antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, o Pacto pela Democracia estendeu hoje uma faixa de 30 metros de comprimento em frente ao Congresso Nacional com a frase “Ainda está aqui. Faça a democracia forte!”.
A agenda Democracia Forte está disponível no site da iniciativa: https://www.democraciaforte.org.br/