A Transparência Internacional – Brasil alerta para a necessidade de que a nova fase do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) seja acompanhada de medidas efetivas de transparência e de integridade para que problemas graves das edições passadas do programa não se repitam.
Obras de infraestrutura implementadas nas fases anteriores do PAC estiveram associadas a esquemas de corrupção, que incluíram fraudes em licitação e contratos, estabelecimento de carteis, pagamento de propinas e financiamento ilegal de campanhas eleitorais, envolvendo diversos partidos políticos, as principais empresas estatais e as maiores empreiteiras do país. Essa corrupção sistêmica, além do aumento dos custos dos empreendimentos e da paralização de inúmeras obras, desvirtuou processos de tomada de decisão sobre infraestrutura e promoveu a captura do Estado por agentes públicos e privados.
Em muitos casos, as dimensões da corrupção e dos impactos socioambientais estiveram inter-relacionadas, como a Transparência Internacional – Brasil demonstrou no estudo “Grandes obras na Amazônia, corrupção e impactos socioambientais”, realizado em parceria com o WWF, em 2021. No plano socioambiental, a corrupção aumenta a pressão sobre a decisão de se fazer determinada obra – apesar dos seus riscos e impactos –, viabiliza interferências no licenciamento ambiental, e agrava impactos socioambientais como desmatamento e conflitos fundiários, como demonstrado pelo estudo nos casos das hidrelétricas de Belo Monte (Pará), Jirau e Santo Antônio (Rondônia).
As obras de infraestrutura são importantes vetores de desenvolvimento econômico e social, além de serem capazes de assegurar direitos como o acesso a saneamento, saúde e habitação. Podem contribuir também com a transição ecológica, como aponta parte dos investimentos previstos no novo PAC. Porém, para que a iniciativa seja blindada de práticas de corrupção e, assim, contribua mais efetivamente com a sustentabilidade social, ambiental e climática, são necessárias medidas adequadas de transparência e integridade.
Medidas institucionais anunciadas como apoio ao desenvolvimento das obras do novo PAC indicam inovações importantes para a política de infraestrutura no país, mas também trazem importantes pontos críticos.
Positivamente, há, por exemplo, o indicativo do fortalecimento dos órgãos ambientais, bem como a celebração de Pacto pela Integridade com empresas privadas participantes do novo PAC. Também merece destaque positivo o acordo de cooperação celebrado entre BNDES e Controladoria-Geral da União (CGU). No entanto, os investimentos na exploração e produção de petróleo e gás e propostas de flexibilização do licenciamento ambiental do setor vão no sentido contrário aos compromissos de descarbonização e transição ecológica. Além disso, faltam medidas robustas voltadas ao fortalecimento da participação e controle social das obras inseridas no Programa.
Diante desse contexto, a Transparência Internacional – Brasil recomenda que o governo federal adote as seguintes medidas:
- Promoção da transparência, garantindo o acesso integral, em tempo real, em portal único e em formato aberto dos dados e informações de todos os projetos do PAC, incluindo todo o ciclo de vida dos projetos de infraestrutura, desde o seu planejamento até a sua execução;
- Definição e aplicação de critérios para análise e classificação dos projetos de infraestrutura, que levem em conta aspectos de análise prévia e gestão de riscos socioambientais e avaliação socioeconômica. Um subsídio para isso é a nota técnica publicada em junho pela Transparência Internacional – Brasil, GT Infra, ISA, IEMA e Ibraop;
- Fortalecimento da governança das estatais, incluindo seus mecanismos de controle interno e compliance, além da preservação da Lei das Estatais (Lei Federal nº 13.303/2016), impedindo a fragilização de critérios de indicação para cargos de direção;
- Criação e fortalecimento de mecanismos de participação e controle social, desde as etapas de planejamento até à execução dos projetos. Entre os mecanismos sugeridos, está a criação de um conselho, com participação da sociedade civil, composto sobretudo por grupos diretamente afetados pelas obras, com competência e meios para ser consultado e monitorar a execução da carteira de projetos do programa, bem como a realização de consultas livres, prévias e informadas, de acordo com os protocolos elaborados por cada grupo a ser consultado;
- Reforço de programas e medidas de integridade junto a órgãos e entidades federais, estaduais e municipais responsáveis pelo planejamento e execução dos projetos do PAC, aprimorando sua capacidade de detectar, investigar e sancionar, de forma coordenada, práticas de fraude e corrupção;
- Implementação dos instrumentos de transparência e integridade previstos na nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021), como por exemplo o portal nacional de contratações públicas e a exigência de programas de integridade para contratos de grande vulto;
- Discussões em curso sobre repactuações de acordos de leniência não devem impossibilitar a aplicação de sanções efetivas, proporcionais, dissuasórias e transparentes, conforme compromissos assumidos internacionalmente pelo Brasil;
- O acordo de cooperação firmado entre BNDES e CGU deve se consolidar como vetor de promoção e coordenação de políticas públicas de transparência, participação e controle da corrupção no âmbito das obras do PAC;
- Coordenação com a Justiça Eleitoral para que investimentos no âmbito do PAC não sejam capturados por objetivos políticos alheios a prioridades técnicas e o interesse público, agravando distorções nas eleições municipais de 2024.