As organizações que subscrevem esta nota veem com grande preocupação os esforços diversos para impor retrocessos à Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais), sujeitando empresas públicas e sociedades de economia mista a graves riscos de corrupção, conflitos de interesses e insegurança jurídica na administração de seus recursos.
Na última semana, graças a uma decisão liminar monocrática no Supremo Tribunal Federal (STF), foram suspensas as vedações à ocupação de vagas em conselhos de administração e diretorias de empresas estatais por Ministros de Estado, secretários estaduais e municipais, dirigentes partidários, titulares não concursados de altos cargos da administração pública e titulares de mandatos eletivos nas três esferas. Também foi extinta a quarentena de três anos para a nomeação de pessoas que tenham atuado na estrutura decisória de partidos políticos ou em campanhas eleitorais.
A restrição a indicações políticas para cargos da administração de empresas estatais surgiu como importante resposta à vulnerabilidade destas empresas às influências de interesses ilegítimos que resultaram em graves atos contra a Administração Pública no passado recente. A Lei das Estatais foi uma das principais conquistas na luta contra a corrupção dos últimos anos, promovendo elevados padrões e boas práticas de governança, além de representar um avanço na profissionalização da gestão pública com a adoção de mecanismos de compliance, de transparência e de ética, medidas necessárias ao atendimento do direito fundamental à boa administração.
Os dados demonstram que entre 2017 e 2022, a qualidade agregada da governança das estatais aumentou de 4,15 a 9,06, segundo indicador compilado pela Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais, hoje subordinada ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. A Lei não pôs fim, no entanto, ao desafio de combater os riscos de corrupção e conflitos de interesses. Pelo contrário, movimentos ocorridos ao longo dos últimos anos, especialmente na operacionalização do chamado Orçamento Secreto, demonstram que essas empresas continuam vulneráveis a tais práticas.
A preservação da lei é imprescindível na geração de impactos positivos para toda a sociedade brasileira. A gestão pragmática de seus recursos garante a prestação de serviços públicos essenciais para a redução das desigualdades socioeconômicas do país. Afinal, as estatais brasileiras atuam diretamente no dia-a-dia dos cidadãos, cuidando de saneamento básico, fornecendo energia elétrica, gerindo hospitais públicos, promovendo a comunicação pública, incentivando a inovação agropecuária, oferecendo créditos a populações de baixa renda e pequenos e médios empresários, dentre outros serviços de alto impacto social.
As boas práticas de governança contidas na lei encontram-se, ainda, alinhadas às recomendações de organismos internacionais, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo. A OCDE, inclusive, recomendou, no caso brasileiro, a extensão da aplicação das restrições atualmente em pauta a outros órgãos colegiados das estatais. Tais práticas garantem, portanto, a segurança jurídica, a integridade e a credibilidade institucional do país perante a sociedade internacional.
De modo especial, causa preocupação a maneira como esses esforços de retrocesso têm sido empreendidos de forma acelerada no governo federal, no Congresso Nacional e no STF, enquanto faltam oportunidades para a participação da sociedade civil e para a realização de um debate público qualificado sobre os riscos dessas alterações na lei. Entendemos que sempre há espaço para aprimoramento do ambiente regulatório, mas acreditamos ser fundamental a participação da sociedade nesse processo.
Temos a chance de promover uma cultura e meios mais avançados de fazer política e gerir recursos públicos, a partir de uma agenda sustentada por boa governança, transparência e integridade. Por isso, reforçamos mais uma vez o pedido às autoridades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para que ponham freio às tentativas de se alterar a Lei das Estatais e direcionem seus esforços ao aprimoramento do sistema de governança e à promoção da integridade nas estatais.
23 de março de 2023.
Assinam:
Transparência Internacional – Brasil
Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC)
Câmara de Comércio Internacional – ICC Brasil
Instituto Ethos
Associação dos Investidores no Mercado de Capitais (AMEC)
Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial (IBDEE)
APIMEC Brasil – Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais
Instituto Não Aceito Corrupção (INAC)
Movimento Brasil Competitivo
Transparência Brasil
IBEF-SP – Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo
IBEF-RS – Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Rio Grande do Sul