A Transparência Internacional – Brasil acompanha com preocupação o anúncio do governo dos Estados Unidos, por meio do Escritório do Representante de Comércio (USTR), de abertura de investigação sob a Seção 301 contra o Brasil, com base em alegações de práticas comerciais desleais e retrocessos no combate à corrupção[i].
É fato que o Brasil tem enfrentado um grave e contínuo desmonte de seu arcabouço legal e institucional anticorrupção, processo que se intensificou durante o governo Jair Bolsonaro e que, lamentavelmente, não foi revertido no atual governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A Transparência Internacional – Brasil tem reiteradamente alertado para os impactos negativos de decisões judiciais altamente questionáveis, que estão anulando sistematicamente condenações de casos de macrocorrupção (inclusive confessos), muitas delas marcadas por graves conflitos de interesse e falta de transparência, que minam a credibilidade das instituições brasileiras e comprometem a confiança internacional no país.
Esse cenário representa não apenas um retrocesso interno, mas também um descumprimento sistemático dos compromissos assumidos pelo Brasil em convenções internacionais anticorrupção,como a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC), a Convenção da OCDE sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, e a Convenção Interamericana contra a Corrupção da OEA. Diversos relatórios e pronunciamentos recentes de organismos multilaterais têm apontado a deterioração da capacidade do Brasil de cumprir com esses compromissos, especialmente no que diz respeito à responsabilização de agentes públicos e privados por corrupção transnacional.
No entanto, é igualmente preocupante que tais retrocessos estejam sendo instrumentalizados por um governo estrangeiro para justificar medidas de caráter político e econômico. As recentes declarações de autoridades e medidas anunciadas extrapolam a agenda anticorrupção e colocam em xeque a legitimidade e a coerência das sanções, especialmente diante da ausência de critérios transparentes e da seletividade na aplicação de instrumentos de pressão internacional.
Importa destacar que a própria administração Trump tem promovido retrocessos significativos na pauta anticorrupção nos Estados Unidos, enfraquecendo mecanismos essenciais de integridade pública e responsabilização. Entre os exemplos mais graves estão:
- A ingerência política sobre o Departamento de Justiça, com a desarticulação de unidades especializadas, como o programa de combate à cleptocracia global;
- A suspensão temporária e posterior reorientação da aplicação do Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), que passou a ser guiada explicitamente por interesses comerciais e estratégicos, em detrimento da imparcialidade e da integridade;
- A redução da independência de promotores e agentes da lei, conforme diretrizes recentes que limitam sua autonomia para investigar e processar casos de corrupção transnacional;
- Os conflitos de interesse envolvendo o presidente e sua família, com sobreposição entre decisões políticas e interesses empresariais privados;
- A fragilização do Corporate Transparency Act, com redução das obrigações de registro e transparência sobre beneficiários finais de empresas dos Estados Unidos, o que facilita o uso de estruturas corporativas para lavagem de dinheiro e corrupção.
A Transparência Internacional – Brasil reafirma seu compromisso com o fortalecimento do combate à corrupção no país e com a defesa de instituições independentes, transparentes e responsáveis. Ao mesmo tempo, rechaça o uso politicamente motivado da agenda anticorrupção como ferramenta de pressão econômica ou diplomática. A luta contra a corrupção deve ser conduzida com base em princípios universais, de forma consistente, imparcial e colaborativa entre as nações.
A corrupção é, de fato, um fator que distorce a concorrência e prejudica o comércio internacional justo. No entanto, o uso seletivo de sanções, sem critérios transparentes e com evidente viés político, apenas enfraquece os marcos legais internacionais e compromete os esforços globais de integridade.
[i] “C. Anti-Corruption Enforcement Evidence suggests that Brazil’s efforts to fight corruption have weakened considerably in some areas. For example, reports indicate that prosecutors have engaged in opaque agreements to provide leniency to companies engaged in corruption and indicate conflicts of interest in judicial decisions. In a highly publicized case involving the bribery of public officials for public projects and money laundering, rulings by a Supreme Court justice to throw out the convictions have drawn widespread criticism. Evidence indicates that Brazil’s lack of enforcement of anticorruption measures and lack of transparency may disadvantage U.S. companies engaged in trade and investment in Brazil and raises concerns in relation to norms relating to fighting bribery and corruption, such as under Protocol to the Agreement on Trade and Economic Cooperation Between the Government of the United States of America and the Government of the Federative Republic of Brazil Relating to Trade Rules and Transparency, Annex III or the Convention on Combating Bribery of Foreign Public Officials in International Business Transactions, done at Paris, December 19, 1997.” (https://www.ustr.gov/sites/default/files/files/Press/Releases/2025/Bzl%20frn%20for%20press%20ofc%20final.pdf)