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Neste Dia Internacional da Liberdade de Imprensa não há o que comemorar

Para Transparência Internacional, a imprensa livre é essencial para a luta anticorrupção. Temos de estar sempre vigilantes e reagir com vigor ante quaisquer investidas de líderes autocráticos e populistas contra jornalistas
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O mundo relembra hoje (3/5) uma das maiores conquistas da sociedade: a liberdade de imprensa. Porém, não há o que comemorar neste ano infelizmente. A emergência global causada pela COVID-19 tem sido claramente usada como pretexto por governantes de diversos países para atacar esse direito, que é um dos pilares da democracia. São inúmeros os exemplos de jornalistas em todo o mundo que têm prestado serviço de extrema relevância ao enfrentamento da crise. Suas reportagens não apenas fornecem informações sobre a prevenção e a evolução da doença, mas também contribuem para o monitoramento das ações dos governos em meio à pandemia. É justamente esse controle social exercido pela imprensa que vem incomodando muito políticos. Há exemplos de países que têm tomado medidas concretas para coibir a ação da imprensa, como tem sido observado na Romênia e na Tailândia. Em outras nações, como o Brasil e os Estados Unidos, não tem havido ação institucional tão drástica como essa, mas os jornalistas são perseguidos e atacados diariamente por seus presidentes e/ou apoiadores — na tentativa de calar suas vozes.

Para Transparência Internacional, a imprensa livre é essencial para a luta anticorrupção. Temos de estar sempre vigilantes e reagir com vigor ante quaisquer investidas de líderes autocráticos e populistas contra jornalistas”.

Nações que já possuem histórico de cerceamento do direito à informação têm acentuado ultimamente a prática de tentar enquadrar e reduzir a efetividade da atividade jornalística — principalmente quando esta revela verdades inconvenientes sobre a atuação dos governos frente à crise.

São vários os exemplos de ameaças à imprensa livre no atual cenário de pandemia. O Reuters Institute for the Study of Journalism da Universidade de Oxford elencou algumas ações frequentes:

  • o uso oportunista de legislações emergenciais para coibir a imprensa livre — quando tais circunstâncias, ao contrário, deveriam favorecer ainda mais a divulgação e fiscalização dos dados públicos. Um exemplo é o recente decreto que estabeleceu “estado de emergência” na Tailândia e que conferiu ao governo local a prerrogativa de mandar “corrigir informações” e tirar do ar reportagens de sites de notícias;
  • a manipulação, por parte dos relatórios oficiais dos governos, de dados importantes que poderiam denotar ineficiência da gestão pública frente à crise;
  • a utilização de credenciamentos oficiais para cercear o trabalho de jornalistas, sobretudo no caso de profissionais estrangeiros. Os governos da China e do Egito, por exemplo, revogaram credenciais de jornalistas estrangeiros simplesmente por se sentirem ameaçados com o livre exercício de suas atividades;
  • leis de combate a fake news que são instrumentalizadas para perseguição não de falsas notícias, mas sim de conteúdos que não agradem aos interesses políticos do governo. O caso de Cingapura tem chamado a atenção de ativistas e organizações sociais;
  • denunciantes (whistleblowers) que tornam públicos dados relevantes sobre a crise, assim como os jornalistas que os publicam, tornam-se frequentemente alvos de perseguição por parte de governos que querem mascarar informações sobre o avanço e enfrentamento do vírus. O exemplo mais célebre é o do médico chinês Li Wenliang: o denunciante nº 1 da COVID-19. Ao alertar seus pares sobre os perigos da nova doença, a história não tardou a ganhar as páginas dos jornais. Dr. Wenliang foi então preso sob a acusação de “espalhar mentiras” e “perturbar a ordem social”. Dias depois, ele foi vítima da mesma doença sobre a qual havia alertado o mundo e que se tornaria uma das maiores pandemias da história. Dr. Li faleceu aos 34 anos de COVID-19.

Brasil — Na última sexta-feira (30/4), no Brasil, um instrumento essencial ao trabalho da imprensa foi preservado graças à ação do Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros suspenderam as restrições impostas pela Medida Provisória nº 928 à Lei de Acesso à Informação (LAI). A MP, decretada em março pelo presidente Jair Bolsonaro, orientava os órgãos federais a ignorar os prazos de resposta a pedidos de informações enviados por meio da LAI enquanto o país estivesse em estado de calamidade pública. Com pronunciamentos duros em favor da transparência e da democracia, a decisão contrária às mudanças propostas pela MP foi unânime. O ministro Luís Roberto Barroso disse que a MP “fornece uma solução para um problema que não há, além de dar um cheque em branco” ao governo. A ministra Cármen Lúcia declarou que a LAI representou “um passo importantíssimo da administração pública e só fica contra ele quem não quer que se tenha esse acesso amplo e necessário às informações”.

Leia também: Acesso à informação em tempos de COVID19: um direito inegociável.

Decisões políticas com o poder de ameaçar o trabalho de jornalistas são, infelizmente, comuns em toda a América Latina. O Ranking Repórteres Sem Fronteiras 2019 (RSF) mostra que os países da região precisam avançar significativamente nesse quesito. Investidas autoritárias por parte dos governos têm ganhado proporção preocupante, com alguns exemplos extremos de violência e intimidação contra jornalistas.

O Brasil piorou e caiu pelo segundo ano, ocupando a 107ª posição entre 180 países. Segundo a RSF, o resultado se deve à postura do presidente Jair Bolsonaro de ataque sistemático à imprensa, sendo que ele também “estimula aliados a fazerem o mesmo, alimentando um clima de ódio e desconfiança para com os diferentes atores da informação”. Um dos seus alvos preferenciais nesse segmento são as mulheres jornalistas. A elas o presidente e seus seguidores desferem ataques machistas e misóginos — numa clara tentativa de calar suas vozes, colocar sua atuação em descrédito e, logicamente, ferir a liberdade de imprensa.

Percepção da Corrupção — A perda de espaço de atuação da imprensa está intimamente ligada ao risco de a corrupção prosperar em dado país. Igualmente, quanto mais forte e independente for a imprensa, maiores as chances de o país ser bem-sucedido no enfrentamento desse problema social. Quando são comparados os últimos rankings da RSF e do nosso Índice de Percepção da Corrupção (IPC) 2018, essa relação fica perceptível. Dentre os dez países com as maiores notas em liberdade de imprensa medidas no RSF, seis também estão entre os mais bem colocados no IPC (menor percepção de corrupção). São eles a Dinamarca, Nova Zelândia, Finlândia, Suécia, Noruega e Holanda. Os países que mais restringem a atuação dos jornalistas, e por isso têm as notas mais baixas da RSF, também não vão bem no enfrentamento d a corrupção. Exemplos disso são a Coreia do Norte e a Síria.

A defesa intransigente que as sociedades democráticas devem fazer de uma imprensa livre e independente não significa blindagem a toda e qualquer crítica. O exercício do jornalismo deve sim estar sujeito ao escrutínio público como qualquer outra atividade. Trata-se de um incentivo saudável para que a sociedade avalie, discuta e critique as notícias. Essa prática é totalmente diferente de tentativas de restringir a livre circulação de informações e a pluralidade de opiniões por meio de perseguição e assédio contra profissionais da imprensa. Quando a crítica regride à intolerância, a sociedade se enfraquece na luta pelo interesse público.

Por essas razões, a Transparência Internacional – Brasil repudia a onda de ataques a jornalistas e meios de comunicação que se verifica no país e defende de maneira intransigente o princípio constitucional da liberdade de imprensa. A luta contra a corrupção — nossa pauta há mais de 25 anos — não pode ser utilizada como argumento de lideranças políticas não comprometidas com a democracia para justificar ataques a jornalistas e reduzir seu espaço de atuação. Em todo o mundo, a imprensa é aliada nessa causa. A luta contra a corrupção se dá, e sempre se dará, lado a lado de uma imprensa livre e independente.

Este artigo foi originalmente publicado em 3 de maio de 2020, pelo Medium da Transparência Internacional – Brasil e replicado posteriormente neste blog.

Grupo de Trabalho

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