
Os interesses ligados aos combustíveis fósseis se infiltraram profundamente as negociações climáticas globais, ameaçando a credibilidade e a eficácia do processo de negociação climática das Nações Unidas, segundo um novo relatório divulgado hoje pela Transparência Internacional.
O relatório, chamado “Fuelling delay: How fossil fuel interests shape global climate negotiations” (“Alimentando o atraso: como os interesses dos combustíveis fósseis moldam as negociações climáticas globais”), revela que atores ligados aos combustíveis fósseis exercem influência em todas as etapas da diplomacia climática internacional — desde a formulação das regras fundamentais da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), até a definição de posições governamentais, os resultados das negociações dentro das salas das COPs e a sabotagem do ambiente mais amplo de políticas climáticas.
O coordenador de Clima e Meio Ambiente da Transparência Internacional, Brice Böhmer, disse que há trabalho a ser feito sobre esse assunto: “Na COP29, quase um em cada seis participantes não revelou as afiliações que tinha — e muitos estavam ligados aos interesses de combustíveis fósseis. Essa falta de transparência mina a confiança em todo o processo. Governos e a UNFCCC devem implementar regras rigorosas de divulgação de conflitos para todos os delegados, exigir afastamento das negociações quando houver conflitos de interesse e garantir que empresas de combustíveis fósseis não possam influenciar diretamente a formulação de políticas climáticas ou as negociações”.
“Os setores mais responsáveis pela crise climática continuam a moldar a forma como o mundo responde a ela” – Brice Böhmer, Coordenador de Clima e Meio Ambiente da Transparência Internacional
Levantamento sobre influência dos lobistas de fósseis
A pesquisa, que contou com entrevistas com negociadores de 19 países, além de membros de organizações da sociedade civil e especialistas, identificou quatro formas por meio das quais os interesses dos combustíveis fósseis influenciam as negociações climáticas:
(i) Eles moldaram a estrutura fundadora da UNFCCC, incorporando regras que permitem que países bloqueiem, individualmente, avanços nas negociações;
(ii) Em nível nacional, dominam o discurso político, frequentemente marginalizando a sociedade civil e especialistas independentes;
(iii) Dentro das salas de negociação das COPs, delegados ligados ao setor moldam a linguagem, a estratégia e o nível de ambição;
(iv) Fora das negociações formais, eventos e parcerias patrocinados por empresas nas COPs promovem narrativas que justificam o uso contínuo de combustíveis fósseis.
O relatório destaca que quase 15% dos participantes da COP29 não divulgaram suas afiliações, sendo que a maioria portava crachás de delegações oficiais — uma brecha alarmante que permite a participação de atores ligados aos combustíveis fósseis sem escrutínio. Apesar de reformas recentes, limitadas, no sistema de registro, a UNFCCC ainda carece de definições claras e abrangentes sobre conflitos de interesse e regras para gerir essas situações.
Como diminuir o impacto da influência indevida na COP
Para restaurar a confiança e a legitimidade na governança climática global, a Transparência Internacional insta o Secretariado da UNFCCC, as presidências das COPs e os governos nacionais a tomarem medidas concretas. Isso inclui definir e gerenciar conflitos de interesse para todos os atores da UNFCCC, incluindo delegados e observadores. As afiliações das delegações e fontes de financiamento devem ser divulgadas em formato acessível, e registros públicos devem permitir o monitoramento de reuniões entre negociadores e representantes da indústria de combustíveis fósseis. A participação da sociedade civil, povos indígenas, juventude e comunidades impactadas pela crise climática deve ser garantida na definição de posições climáticas nacionais. Por fim, a integridade das presidências das COPs deve ser protegida por meio de padrões claros de ética e transparência.