A ampliação do uso de emendas parlamentares pelo Congresso Nacional tem provocado um efeito cascata no uso de emendas ao orçamento nos Estados. É o que aponta o relatório “Raio-X das Emendas Parlamentares ao Orçamento – Nível Estadual”, elaborado pela Transparência Internacional – Brasil com apoio da Fundação Konrad Adenauer.
Na sequência de mudanças a nível federal, Estados, em sua maioria, também adotaram a obrigatoriedade da execução de emendas parlamentares e o modelo de execução por meio de transferências especiais, conhecidas como “emendas pix”. Os valores destinados às emendas também cresceram e elas representam uma fatia cada vez maior do orçamento discricionário.
No nível estadual, as emendas parlamentares se tornaram elementos importantes nos orçamentos dos Estados (que repassam) e dos munícipios (que recebem os recursos). No entanto, o levantamento aponta que tanto as emendas impositivas aos orçamentos estaduais quanto as transferências das emendas pix aos munícipios possuem um baixo grau de transparência.
Esta tendência se nota desde o final de 2013, mas se intensificou a partir de 2019 quando a dinâmica das emendas parlamentares alterou de modo significativo as relações entre Executivo e Legislativo no plano federal.
Desde que o Congresso Nacional aprovou a execução obrigatória das emendas parlamentares individuais no nível federal, em novembro de 2013, 23 UFs também passaram a prever essa possibilidade no orçamento estadual (apenas Ceará, Espírito Santo, Paraná e Rio Grande do Sul não têm esse tipo de emendas).
A modalidade de execução das emendas parlamentares por meio de transferências especiais – as chamadas emendas pix – também não está restrita ao nível federal e repercutiu nos Estados logo após ter sido instituída no Congresso Nacional, em dezembro de 2019.
Pelo menos 18 Estados também alteraram as suas leis para permitir a realização de transferências especiais para os cofres municipais, sem exigência de convênios e instrumentos similares, simplificando o processo de alocações de verbas por deputados estaduais.
“A evolução das regras sobre emendas parlamentares nos estados é muito parecida com o que ocorreu no nível federal, tanto com relação à impositividade, quanto em relação às transferências especiais. Mais distantes dos holofotes da imprensa e da sociedade civil e sujeitos a mecanismos de transparência e controle menos robustos, os orçamentos estaduais, no entanto, podem se tornar alvos de esquemas de corrupção e captura que impactarão serviços públicos básicos, como saúde e educação, do qual depende a maior parte da população brasileira”, afirma Guilherme France, gerente do Centro de pesquisa e advocacy da Transparência Internacional – Brasil.
Em termos de valores, emendas parlamentares aos orçamentos estaduais também têm engolido uma fatia maior dos recursos discricionários (sobre os quais os governos têm maior liberdade no gasto), processo semelhante ao identificado no nível federal.
Hoje a porção discricionária do orçamento federal destinada à execução de emendas parlamentares supera a marca dos R$ 40 bilhões e quase um quinto do orçamento discricionário da União.
Muitos Estados têm se aproximado do teto constitucional para execução de emendas parlamentares – o teto para as emendas individuais é de 2% da Receita Corrente Líquida (RCL) do exercício anterior. Em Minas Gerais, por exemplo, está em curso um aumento progressivo do montante destinado às emendas parlamentares individuais. Enquanto, para o exercício de 2023, o teto era 1% da RCL realizada no ano anterior, em 2024, este teto passou a 1,5% e, em 2025, alcançará os 2%. Tendência semelhante foi identificada na Bahia, na Paraíba, em Pernambuco, em Rondônia, no Rio Grande do Sul e no Espírito Santo.
Os Estados que destinaram maior montante às emendas parlamentares individuais, em 2023, foram Minas Gerais e São Paulo, respectivamente, R$ 2,4 bilhões e R$ 1,2 bilhão.
A ampliação da alocação dos recursos discricionários dos orçamentos estaduais, acompanhada do aumento dos valores transferidos para municípios, justifica uma maior preocupação com a instituição de políticas e procedimentos de controle específicos, tanto por órgãos de controle interno de Estados e municípios, quanto pelos órgãos de controle externo, notadamente pelos Tribunais de Contas. Atribuir a devida transparência a todo este processo – desde a elaboração e apresentação das emendas até sua execução efetiva – é uma responsabilidade compartilhada entre os poderes Legislativo e Executivo, sendo necessário para possibilitar um nível adequado de controle social sobre estes gastos.
“A publicidade ativa das Emendas Parlamentares por parte dos Estados é primordial para promovermos uma cultura da transparência com relação ao assunto. Mas é preciso ir além e envolver a sociedade no processo, desde as discussões sobre os valores previstos anualmente nas leis orçamentárias até o repasse aos municípios. O grande volume de recursos e o impacto social, político e econômico das emendas parlamentares exige cada vez mais um papel ativo dos cidadãos, jornalistas e órgãos de controle com relação ao assunto, tanto para compreender e identificar riscos de corrupção quanto para avaliar a efetividade das emendas parlamentares como instrumento de política pública. A fiscalização da imprensa e da sociedade civil tem sido fundamental para desvendar esquemas de corrupção na execução de emendas parlamentares federais, por exemplo”, aponta Gabriella da Costa, pesquisadora da Transparência Internacional - Brasil e uma das autoras do estudo.
Essa tendência de ampliação das emendas estaduais ganha impacto potencial ainda maior em um ano eleitoral. Em 2022, o Orçamento Secreto mostrou-se uma força em favor de grupos políticos já estabelecidos, especialmente aqueles que controlavam maiores fatias do orçamento da União destinado às emendas.
Com eleições municipais em 2024, a ampliação dos recursos alocados por parlamentares federais e estaduais pode impactar diretamente o processo eleitoral, desequilibrando disputas locais em favor dos grupos já dominantes nas assembleias legislativas, aumentando riscos de abuso de poder político e econômico e interferindo com o direito do eleitor de formar seu convencimento livremente.