Quase um ano é o tempo médio enfrentado pela Operação Amazônia Nativa (OPAN) para obter informações de órgãos ambientais e de controle a respeito de empreendimentos com possível impacto na vida e nos territórios dos povos indígenas de Mato Grosso (MT). O dado está na nota técnica “Acesso às informações sobre licenciamento ambiental no Estado de Mato Grosso”, elaborada pela Transparência Internacional – Brasil em parceria com a OPAN, lançada nesta segunda-feira (13).
Para o levantamento, foram avaliadas as respostas de 50 pedidos de acesso à informação encaminhados à Secretaria de Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso (SEMA) pela OPAN entre fevereiro de 2018 e outubro de 2021. Desse total, aproximadamente um quinto das solicitações teve resposta fora do prazo máximo estipulado pelas normativas que regulamentam a Lei de Acesso à Informação (LAI) no estado.
O Decreto 1.973/2013, norma vigente durante a maior parte da tramitação dos pedidos, estipulava que o prazo máximo para respostas a pedidos de acesso à informação deveria ser de 105 dias. Em janeiro deste ano, porém, a Controladoria Geral do Estado (CGE-MT) editou um novo decreto (806/2021), alterando o prazo das respostas para 65 dias.
Das quase cinco dezenas de pedidos de informação solicitadas, a OPAN se debruçou sobre o histórico de 10 pedidos relativos ao licenciamento de empreendimentos em Terras Indígenas (TI) do estado. Dentre eles, chama a atenção um pedido que trata de uma possível infração ambiental, que já está a mais de 1.000 dias sem retorno à solicitação de complementação de informações.
Os resultados dessa análise mais aprofundada mostram que, apesar das normas que regulavam a LAI no estado à época dos pedidos determinarem prazo máximo de resposta de 105 dias, em média a OPAN precisou esperar o triplo do tempo, mais de 330 dias, para ter acesso às informações solicitadas.
Acompanhar o longo percurso enfrentado pelas instituições para acessar dados sobre licenciamento ambiental e obras de infraestrutura que podem ocasionar impactos socioambientais foi um dos objetivos do levantamento, segundo Kátia Demeda, coordenadora de projetos na Transparência Internacional – Brasil. “Apresentar as dificuldades que as pessoas e organizações da sociedade civil enfrentam em acessar informações que são públicas e têm impacto na vida cotidiana demonstra como o direito ao acesso à informação ainda precisa ser constantemente defendido e monitorado, expondo os caminhos para o seu aprimoramento”, explica.
O que se observa nos casos apresentados, segundo Demeda, é uma “lacuna entre a teoria, o que está previsto na legislação sobre o acesso à informação, e o que de fato se observa na realidade”.
Nessa linha, Marcos de Miranda Ramires, indigenista da OPAN e um dos autores do trabalho, observa que a Nota Técnica visa contribuir para o aprimoramento da consulta feita de forma prévia, livre e informada aos povos indígenas, que podem sofrer impactos frente à instalação de empreendimentos dentro ou próximos de seus territórios, como estabelece o Art. 6º da Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). “A dificuldade, ou mesmo a falta de acesso a informações produzidas pela SEMA, impacta a vida dos povos indígenas nesse território na medida em que essas informações não chegam no tempo necessário e com uma qualidade mínima, o que prejudica a tomada de decisão”, explica Ramires.
O documento apresenta um histórico detalhado de pedidos de informação realizados pela OPAN que não foram respondidos ou que não tiveram um retorno satisfatório por parte dos órgãos estaduais e detalha três casos nos quais houve o descumprimento da LAI.
Casos de descumprimento da LAI em Mato Grosso
O documento lança mão de um histórico detalhado de pedidos de informação realizados pela OPAN que não foram respondidos ou que não tiveram um retorno satisfatório por parte dos órgãos estaduais.
Uma dessas solicitações trata da linha de transmissão para a interligação da Pequena Central Hidrelétrica (PCH) Buriti à subestação de energia na cidade de Sapezal, com potencial impacto sobre a TI Tirecatinga. Parte da linha foi instalada mesmo sem receber Licença Prévia e Licença de Instalação, além de não ter havido consulta à população local.
Diante desse possível crime ambiental, a OPAN encaminhou ao Consema, no início de 2018, um pedido de informação sobre as medidas adotadas pela SEMA. O pedido foi reiterado junto à Ouvidoria Geral em maio do mesmo ano, mas foi apenas em janeiro de 2019, 339 dias depois do pedido inicial, que a resposta à solicitação chegou. O documento enviado como resposta, no entanto, estava incompleto (faltavam páginas) e ilegível (letras apagadas).
A partir disso, um pedido de complementação de informações foi enviado à chefe de gabinete da SEMA, em fevereiro de 2020. Porém, até o momento, passando-se mais de 1.375 dias, ou quase quatro anos do pedido inicial, nenhuma resposta foi enviada.
Desafios para a transparência sobre dados socioambientais no Brasil
A implementação da LAI no país completou 10 anos em 18 de novembro, mas ainda encara diversos desafios. Alguns desses empecilhos são a ausência de regulamentação da Lei em municípios, a imposição de sigilo em informações públicas sem justificativas e a ausência de processos de gestão da informação.
Além destes, a consultora em Governo Aberto da Transparência Internacional – Brasil, Amanda Faria Lima, elenca a cultura de sigilo na administração pública, a baixa qualidade no atendimento dos pedidos de acesso à informação e, mais recentemente, conflitos entre a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e a transparência pública. “Nos últimos anos, assim como a transparência em geral, incluindo temas sociais, como direitos humanos, a transparência de dados socioambientais, especialmente no âmbito federal, tem sofrido ataques e retrocessos”, explica.
A tentativa do governo federal de ampliar o rol de servidores responsáveis pela classificação de sigilo de informações públicas, a desqualificação pela alta cúpula do governo federal dos dados sobre desmatamento e queimadas divulgados pelo INPE em 2019, assim como, no ano seguinte, a ausência de disponibilização de dados de áreas embargadas por crimes ambientais pelo Ibama por mais de oito meses, junto com a tentativa de suspender os prazos de atendimento da Lei de Acesso à Informação no Brasil durante a pandemia de Covid-19, figuram entre os entraves à divulgação de informações de interesse público.
Mais recentemente, em outubro deste ano, o governo federal atrasou a divulgação dos dados que indicavam aumento de 22% no desmatamento na Amazônia, a maior taxa dos últimos 15 anos. A informação só foi divulgada após o término da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP 26. Este evento se soma a outros, que ajudam a exemplificar como o cenário é preocupante. “Isso chama a atenção para a necessidade de defesa constante do direito ao acesso à informação”, avalia Amanda.
CGE e SEMA se comprometem a colaborar
Para além dos entraves destacados na Nota Técnica, as organizações pontuaram uma série de recomendações para o aprimoramento da política de acesso à informação em Mato Grosso. As sugestões foram debatidas em uma reunião ocorrida na última terça-feira (07/12), com a secretária-adjunta de Ouvidoria Geral e Transparência em substituição da CGE-MT, Aline Landini, e a equipe da SEMA, incluindo o secretário executivo, Alex Sandro Marega, o chefe da Unidade Estratégica de Transparência e Geoinformação, Gabriel Vitoreli de Oliveira, e a secretária adjunta de Licenciamento Ambiental e Recursos Hídricos, Lilian Ferreira dos Santos.
Entre as medidas debatidas durante a reunião está o atendimento aos prazos e procedimentos definidos na legislação de acesso à informação. O monitoramento e a capacitação de servidores e a realização de processo de consulta aos povos indígenas e tradicionais sobre os projetos de empreendimentos hidrelétricos, de acordo com a Convenção 169 da OIT, também foram ressaltados no encontro pelos membros das entidades.
Aprimorar a transparência ativa, com a disponibilização de todos os documentos técnicos usados para justificar o planejamento, a instalação e a operação de projetos de infraestrutura pela SEMA em seu portal eletrônico, também é uma das sugestões indicadas no documento e mencionadas durante a reunião. Sobre esse tema, o secretário executivo da SEMA declarou que muitos desses processos não tramitaram adequadamente e recomendou que os pedidos citados na Nota, bem como as novas solicitações, sejam realizados pela plataforma Fale Cidadão.
“Muitos desses processos que foram indicados a unidade de transparência [da SEMA] não tinha conhecimento, eles tramitaram por setores diversos no ano de 2018 e por isso que alguns deles estão até hoje sem respostas. Gostaríamos de fazer o levantamento de todos esses processos, vamos tentar padronizar e fazer o relançamento deles pelo Fale Cidadão”, sugeriu Marega.
Vitoreli chamou a atenção para uma melhora no tempo de resposta das solicitações desde 2020. Segundo ele, “uma média de 80% dos processos que entraram em 2020 e 2021 foram atendidos dentro do prazo legal.”
O documento orienta ainda a elaboração de uma política estadual que defina as regras e diretrizes para a publicação de dados em formato aberto pelos órgãos estaduais, o estabelecimento e cumprimento de prazo para resposta por parte da Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI) e, por fim, o aperfeiçoamento de relatórios estatísticos sobre os pedidos de acesso à informação que inclua informações sobre as instâncias recursais, o tempo médio de resposta aos pedidos e o canal de registro dos pedidos.
Landini reforçou que as recomendações vão ao encontro do que a entidade já planeja. Durante a reunião, ela afirmou que “Todas as recomendações já estão em nosso radar e acredito que a maioria será incluída em projetos no próximo ano. O trabalho de educação do servidor com relação à LAI é prioritário, vamos levar materiais e cartilhas também para os gestores, coordenadores, gerentes, superintendentes e secretários a fim de conhecerem a LAI, acredito que vamos ter melhoras nos próximos anos.”
*Este texto foi adaptado da publicação no site da OPAN: