A Organização das Nações Unidas (ONU) cobrou do Brasil a adoção de uma legislação para regular as obrigações de advogados na prevenção de lavagem de dinheiro – um risco que tem sido crescentemente evidenciado por investigações e operações policiais recentes.
Esta recomendação foi apresentada como fundamental para a efetiva implementação da Convenção da ONU contra a Corrupção (UNCAC) pelo governo brasileiro.
O Brasil ratificou a UNCAC em 2005 e, desde então, já passou por duas rodadas de avaliação em que se buscou determinar o seu nível de implementação. Esta segunda rodada, focada em medidas de prevenção e recuperação de ativos, começou em 2020 e contou com uma visita in loco dos avaliadores internacionais onde organizações da sociedade civil, incluindo a Transparência Internacional – Brasil, tiveram a oportunidade de apresentar insumos e avaliações independentes. A aprovação do relatório ocorreu na reunião de junho da Conferência dos Estados-Parte da UNCAC.
GAFI também apontou falhas no sistema brasileiro
Não é a primeira vez que a ausência de regras de prevenção à lavagem de dinheiro aplicáveis à advocacia é apontada como uma deficiência do ordenamento jurídico brasileiro.
Em dezembro de 2023, o Grupo de Ação Financeira (GAFI), órgão que busca padronizar políticas públicas de combate à lavagem de dinheiro ao redor do mundo, fez a mesma crítica ao Brasil, apontando que advogados são uma das poucas categorias profissionais que não estão sujeitas à regulação antilavagem de dinheiro. Apontou, ainda, que existem muitas barreiras às investigações sobre lavagem de dinheiro na advocacia e que não há registro de punições a advogados por envolvimento com esse tipo de crime.
A Transparência Internacional – Brasil argumenta que a ausência de regulação representa um risco de que advogados e escritórios de advocacia sejam utilizados para lavar recursos ilícitos de organizações criminosas e que não há incompatibilidade entre o dever do sigilo profissional e a adoção de medidas de prevenção à lavagem de dinheiro.
Além deste ponto específico, o relatório da ONU também apresenta outras importantes recomendações: realizar mapeamentos periódicos de riscos na administração pública, aprimorar os mecanismos de prevenção a conflitos de interesse, implementar instrumentos de deteção de trânsito transfronteiriço de dinheiro em papel moeda e agilizar a execução de decisões jurídicas estrangeiras para congelar e confiscar recursos desviados.
Medidas contra a lavagem de dinheiro
Há crescentes evidências de que os riscos identificados pela ONU têm se materializado. No ano passado, a Operação Apito Final, conduzida pela Polícia Civil do Mato Grosso, desmantelou um esquema de lavagem dinheiro da ordem de R$ 65,9 milhões. Segundo autoridades, um advogado integrava uma rede de laranjas que adquiria imóveis e veículos para ocultar dinheiro que vinha do tráfico de drogas. Em 2023, um advogado de Navegantes (SC) foi apontado pela Polícia Federal como chefe da lavagem de R$ 130 milhões oriundos do tráfico de drogas transnacional.
“No mundo todo, países encontraram caminhos para compatibilizar as importantes garantias relativas ao sigilo profissional entre cliente e advogado com as medidas de prevenção à lavagem de dinheiro”, explica Guilherme France, Gerente do Centro de Conhecimento Anticorrupção da Transparência Internacional – Brasil.
“Não há motivos para o Brasil continuar sendo uma exceção, ainda mais em face dos graves riscos que essa lacuna produz não apenas para o fortalecimento do crime organizado, mas também para a contaminação e a deslegitimação de toda uma categorial profissional em função dos malfeitos de alguns advogados”, disse Guilherme.
A Transparência Internacional – Brasil acompanha a implementação da UNCAC pelo Brasil desde sua chegada ao País. Em 2022, a organização produziu e enviou a ONU um relatório-sombra avaliando essa implementação e detalhando os graves retrocessos que aconteceram nos últimos anos.