Apresentação
Os dois relatórios lançados hoje pela Transparência Internacional – Brasil apontam para a grave situação do país em relação ao combate à corrupção. Os estudos confrontam diretamente as recentes declarações do presidente Jair Bolsonaro, que disse ter ‘acabado’ com a Operação Lava Jato porque em seu governo ‘não há mais corrupção’. Pelo contrário, os dados apontam para um desmonte do arcabouço institucional para a luta anticorrupção em curso, sobre o qual o presidente da República é um dos responsáveis.
O primeiro estudo é o Exporting Corruption, relatório global da Transparência Internacional publicado há quinze anos, que avalia, de forma comparativa, a implementação de medidas de combate à corrupção transnacional – isto é, a corrupção de indivíduos e empresas quando fazem negócios em países estrangeiros.
O segundo lançamento, o Brazil: Setbacks in the Legal and Institutional Anti-Corruption Frameworks (2020 Update), apresenta uma retrospectiva sobre os retrocessos na luta anticorrupção do país nos últimos doze meses, denunciando o aparelhamento e perda de autonomia dos principais órgãos de combate à corrupção. O relatório cobre retrocessos também no âmbito do Poder Judiciário, Congresso e ataques à sociedade civil e o jornalismo investigativo.As instituições e a sociedade brasileira precisam reagir para impedir novos retrocessos nas conquistas do país na luta contra a corrupção e no fortalecimento do regime democrático.
Brazil: Setbacks in the Legal and Institutional Frameworks – 2020 UPDATE
O relatório Brazil: Setbacks in the Legal and Institutional Frameworks (2020 Update) apresenta uma retrospectiva sobre os retrocessos na luta anticorrupção do país nos últimos doze meses, jogando luz sobre uma interferência política sobre os órgãos de controle que há muito não se via.
A Transparência Internacional tem, ao longo deste ano, se posicionado contra os retrocessos institucionais que foram apontados pelo “Setbacks”, sobretudo em relação à interferência política em órgãos de controle. Exemplos disso são o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), a Polícia Federal, o Ministério Público e o Supremo Tribunal Federal.
Em 2019, a Transparência Internacional – Brasil produziu um relatório similar, denunciando aos organismos internacionais os retrocessos que já vinham ocorrendo e que apenas se agravaram em 2020.
Exporting Corruption 2020
O estudo Exporting Corruption é um relatório global da Transparência Internacional, publicado regularmente há quinze anos e que avalia o desempenho de 47 países exportadores — entre eles, 43 nações signatárias da Convenção Antissuborno da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). O relatório mostra, de maneira comparativa, quais países melhor seguem as regras da convenção para investigar e punir casos de corrupção transnacional.
O relatório deste ano compara a aplicação destas regras pelos países avaliados entre 2016 e 2019 e os classifica em quatro categorias: Ativo (Active), Moderado (Moderate), Limitado (Limited) e Pouca ou Nenhuma Aplicação (Little or No Enforcement).
Os 47 países avaliados no Exporting Corruption são responsáveis por aproximadamente 80% das exportações globais e, no período de avaliação, abriram 421 novas investigações e 93 novos casos de suborno transnacional, além de concluirem 244 casos com sanções (destes, 125 com substanciais sanções).
O Exporting Corruption aponta que o Brasil, responsável por aproximadamente 1% das exportações globais, iniciou 24 investigações, não abriu nenhum novo caso e concluiu três casos com sanções. A classificação do país ficou como “Moderada”.
Em destaque, os casos da Embraer, que pagou suborno a autoridades na República Dominicana, Índia, Moçambique e Arábia Saudita; da Asperbras, empresa brasileira de infraestrutura e acusada de pagar suborno ao filho do presidente da República do Congo em troca de contratos públicos; da Odebrecht, cujos casos de suborno chegam a mais de 100 projetos em 12 países diferentes; além de diversas outras construtoras cujos esquemas de corrupção transnacional foram investigados pela Operação Lava Jato, como Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Engevix/Nova Participações, OAS, Queiroz Galvão e UTC.
O relatório destaca, ainda, os diversos retrocessos que o Brasil vem sofrendo no campo anticorrupção e a necessidade de aumentar a transparência e a publicação das decisões de acordos de leniência, incluindo anexos; aprovar legislações sobre transparência dos beneficiários finais, garantindo que esses dados sejam acessíveis ao público; adotar legislações de proteção ao denunciante, como proposto nas Novas Medidas contra a Corrupção; e garantir a independência e autonomia das instituições, incluindo a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República.
Este ano, o relatório Exporting Corruption – Progress report 2020: assessing enforcement of the OECD Anti-Bribery Convention aponta que, mesmo após duas décadas da adoção da Convenção Antissuborno da OCDE, aproximadamente metade das exportações mundiais vem de países que ainda falham em punir suborno transnacional – incluindo dez países do G-20 e oito países entre os 15 maiores exportadores mundiais.
A aplicação de leis antissuborno transnacional pelos países avaliados ainda é espantosamente baixa, com 34 nações mostrando limitado ou baixo comprometimento em aplicar as regras. Esses países atingem 46% das exportações globais.
Comparando com relatórios anteriores, o número de países classificados com aplicação “Ativa”, categoria mais alta no Exporting Corruption, caiu aproximadamente 33%. O estudo também mostra que a maioria dos países ainda falha em publicar dados de como aplicam as regras, incluindo estatísticas, investigações, decisões judiciais e casos sem resolução.
Mesmo quando há punição para casos de corrupção transnacional, compensações às vítimas são raras e a maioria dos valores nunca retornam aos países ou cidadãos.
Para mudar esse cenário, é preciso que haja mais transparência em como os países tratam o problema, acabar com as barreiras que impedem que se saiba quem são os verdadeiros donos de empresas, não tratar a corrupção transnacional como “um crime sem vítimas” e construir mecanismos de compensação para as nações envolvidas. Além disso, é necessário melhorar a cooperação internacional e as estruturas que permitem essa cooperação, criar legislações fortes e sistemas preparados para tratar de casos complexos de corrupção transnacional e responsabilizar empresas controladoras pelas ações de suas subsidiárias.