O Estado, para que possa desempenhar adequadamente suas funções, necessita de recursos financeiros. São fontes de financiamento do Estado a exploração de bens públicos, o exercício de atividades econômicas por meio de empresas estatais excepcionalmente voltadas a essa finalidade e a tributação. A maioria dos Estados modernos constitui-se em Estado fiscal, tendo como principal fonte de recursos a arrecadação tributária. No Brasil não é diferente. Segundo dados do Portal da Transparência do Governo Federal, em 2023 o total da receita corrente, dentro da qual se encontra a receita tributária, foi de mais de 2.3 trilhões de reais, correspondendo as receitas fiscais a 86% desse valor. Esses números demonstram a importância dos tributos na formação do orçamento estatal.
A arrecadação tributária é imprescindível à manutenção e ampliação da estrutura do Estado e à garantia do atendimento das necessidades públicas, como saúde, educação, segurança pública, assistência social e tantas outras. A redução das fontes de receita tributária impacta na realização de políticas públicas, prejudicando diretamente as camadas mais vulneráveis da população, que dependem dos serviços públicos básicos para sua sobrevivência. A falta de recursos pode, inclusive, ocasionar ou agravar violações aos direitos humanos.
A relevância das receitas tributárias no cumprimento das necessidades básicas da população, bem como a magnitude dos valores envolvidos, torna imprescindível o controle da gestão governamental. Esse controle pode se dar por meio de órgãos públicos especialmente criados para essa finalidade, mas também pela participação direta da sociedade, dando-se cumprimento aos valores democráticos apregoados pela Constituição Federal. A participação popular no controle da Administração Pública é vantajosa ao Estado, na medida em que viabiliza, de forma mais ampla, a vigilância e a detecção de possíveis ilegalidades e abusos. Estão legitimados a realizar referido controle a sociedade civil, as organizações sociais, a academia, o setor privado, os cidadãos e quaisquer outros outros atores sociais.
Para que a participação social seja efetiva, imperativa a publicidade e a transparência. A publicidade, princípio constitucional estampado no art. 37 da Constituição Federal, e a transparência, subprincípio derivado do primeiro, dão efetividade ao direito fundamental de acesso à informação pública, regulamentado pela Lei de Acesso à Informação (LAI) – Lei nº 12.527/2011. O direito à informação pública, por seu turno, permite o exercício do controle popular da gestão estatal.
Dada a importância da questão, no Compromisso de Lima firmado pelos Chefes de Estado reunidos na VIII Cúpula das Américas, realizada em 2018, houve o compromisso de realização de melhorias das condições para a efetiva participação da sociedade civil no acompanhamento da administração governamental, incluindo o estabelecimento de mecanismos de prevenção e canais de denúncia, bem como a facilitação do trabalho dos observatórios cidadãos e outras formas de controle social, incentivando a adoção de mecanismos de participação digital. Em outro tópico comprometeram-se também, considerando a participação da sociedade civil, a promover e/ou fortalecer a implementação de políticas em matéria de governo aberto, governo digital, dados abertos, orçamentos abertos, transparência fiscal, sistemas eletrônicos de compras, contratações públicas e registro público de fornecedores do Estado.
Na IX Cúpula das Américas, realizada em 2022 em Los Angeles, os Chefes de Estado presentes firmaram um plano de ação por meio do qual se comprometeram a implementar determinadas ações antes da próxima edição da Cúpula, incluindo, dentre outros, novo item sobre transparência e combate à corrupção e outro sobre participação e inclusão cidadã. Além disso, propuseram-se a incorporar os compromissos emanados da Cúpula das Américas e de outros foros pertinentes relacionados à promoção da transparência e ao combate à corrupção aos Planos de Ação Nacionais da Parceria para o Governo Aberto, entre os quais as iniciativas que fortaleçam a transparência fiscal e evitem os delitos financeiros e fortaleçam a abertura da informação pública e os dados em formatos abertos desde a sua elaboração.
Alinhando-se ao quanto decidido na Cúpula das Américas em matéria de transparência fiscal, o Estado brasileiro passou a divulgar na internet a lista de contribuintes inscritos em dívida ativa da União (DAU) e do FGTS em situação irregular. A ferramenta disponibilizada online oferece vários filtros de pesquisa, sendo possível inclusive exportar o resultado da pesquisa no formato de planilha (csv), o que facilita a análise dos dados. A mesma pesquisa pode ser realizada por meio do aplicativo Dívida Aberta. Outra ferramenta, atualizada trimestralmente, permite uma pesquisa completa com as informações dos créditos inscritos em dívida ativa da União e do FGTS e sua respectiva situação, abrangendo todos os créditos ativos, inclusive os garantidos, suspensos por decisão judicial ou negociados. É possível também a consulta às negociações formalizadas perante a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), permitindo-se a verificação do cumprimento das prestações pelos devedores. Caso seja identificada fraude fiscal praticada por devedores da PGFN, qualquer pessoa tem acesso ao Canal de Denúncias Patrimoniais (CDP), podendo a denúncia ser anônima ou identificada. Para créditos ainda não inscritos em dívida ativa da União, a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB) disponibiliza uma série de bases de dados para pesquisa, merecendo destaque aqueles relacionados à arrecadação de impostos e contribuições federais por ela administrados. A RFB também divulga a relação de Representações Fiscais para Fins Penais (RFFP) encaminhadas ao Ministério Público Federal, as quais tem por objeto a comunicação de fatos que, em tese, configurem crime contra a ordem tributária, contrabando e descaminho.
A Portaria PGFN 636, de 09 de janeiro de 2020, que regulamentou a divulgação da relação das pessoas físicas ou jurídicas que possuam débitos com a Fazenda Nacional ou com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), permitiu à PGFN firmar convênio com órgãos ou entidades da União, Estados e Municípios com o fim de divulgar, na mesma plataforma, os débitos inscritos em dívida ativa dessas outras entidades. Valendo-se dessa disposição, a PGFN assinou em setembro de 2023 acordo de cooperação técnica com a Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo (PGE-SP), passando os devedores e débitos inscritos na Dívida Ativa desse Estado a figurar na lista de devedores e no aplicativo Dívida Aberta da PGFN.
Iniciativas como essas devem ser louvadas, contribuindo para uma maior transparência fiscal, conduzindo à prevenção e repressão de crimes tributários e relacionados. A proteção do erário público é essencial à manutenção do Estado, permitindo-se a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem comum.
Mas não é só. A transparência fiscal é importante medida de enfrentamento à corrupção. A corrupção de agentes públicos para a facilitação de evasão fiscal é uma realidade. Tanto é assim que a Lei nº 8.137/92 previu o delito de corrupção passiva fiscal (no art. 3º, inciso II) para criminalizar a conduta do agente público que exige, solicita ou recebe vantagem indevida, ou aceita promessa de tal vantagem, para deixar de lançar ou cobrar tributo ou contribuição social, ou cobrá-los parcialmente.
A opacidade em relação às receitas do Estado é campo propício para a prática de atos corruptos desse viés, uma vez que a fiscalização e a supervisão restam prejudicadas. A ausência de publicidade impede que a sociedade, associações e órgãos de controle tenham acesso aos dados, facilitando-se a corrupção diante da impossibilidade de fiscalização das contas. Ademais, a falta de informação fiscal incentiva essa espécie de corrupção, dada a maior sensação de impunidade, permitindo-se àqueles de má índole esconderem-se atrás da opacidade dos dados fiscais.
Assim, a transparência fiscal é medida que deve ser fortalecida e alargada, sendo componente essencial do combate aos delitos econômicos.