A democracia, com todos os seus desafios e imperfeições, continua sendo o único regime onde pode haver tolerância na diversidade e a construção de sociedades mais justas, através da primazia dos direitos.
Mas ressalta-se: a democracia é também uma construção. Regimes democráticos maduros são o resultado de longos processos de melhoria das leis, das instituições e, principalmente, da cidadania. Este último elemento é o mais importante pilar da construção democrática: apenas através de uma cidadania consciente e ativa é possível fazer com que as leis realmente valham para todos e as instituições atuem verdadeiramente em nome do interesse público.
Porém, a história mundial está repleta de episódios de desconstrução de regimes democráticos e até mesmo de seu colapso. E esses processos destrutivos, na maioria das vezes, se sustentam no sequestro e corrupção de pautas populares – muitas vezes pautas legítimas, manipuladas para camuflar a busca pelo poder. A luta contra a corrupção é, ela própria, uma dessas pautas sequestradas e corrompidas, frequentemente para alavancar projetos populistas e autoritários de poder.
O governo populista de Jair Bolsonaro no Brasil se elegeu capturando, sem qualquer lastro, o discurso anticorrupção. Apenas para chegar ao poder e promover um avassalador desmanche da capacidade institucional de enfrentamento à corrupção no país.
Se o discurso anticorrupção, hoje desidratado pelas colossais evidências de corrupção da família Bolsonaro, serviu para conquistar o poder, outras pautas legítimas passaram a ser manipuladas para sua manutenção.
Diante da perspectiva de derrota em 2022, a bandeira da transparência no processo eleitoral ganhou centralidade, apenas para semear a desconfiança da população nas urnas eletrônicas – um sistema que, mesmo passível de melhorias, vem operando a alternância democrática de poder no país há 25 anos.
Mais recentemente, com a máquina bolsonarista de disseminação de fake news sob risco e com seus operadores ameaçados de responsabilização criminal, a pauta migrou para a liberdade de expressão. É com este discurso que se apresenta ao país uma MP, redigida sem transparência entre quatro paredes, para modificar o Marco Civil da Internet, fruto de um dos processos legislativos mais participativos da história brasileira. É mais uma pauta legítima conspurcada, desta vez na tentativa de se blindar a estratégia eleitoral de desinformação e ódio.
Hoje, 7 de setembro, o país assiste à mais grave tentativa de intimidação de suas instituições democráticas desde o final do regime ditatorial militar. E a pauta sequestrada e corrompida é a própria defesa da democracia.
A história ensina que lideranças populistas jamais devem ser subestimadas e a defesa da democracia deve ser permanente, com instituições e sociedade reagindo a cada avanço do autoritarismo. Por esta razão, a Transparência Internacional – Brasil continuará denunciando, obstinadamente, a manipulação espúria das pautas do combate à corrupção e da transparência e somando esforços na resistência às tentativas de corrupção dos valores democráticos.