O Senado Federal aprovou hoje (28) um requerimento de urgência para o PLP 192/2023, que altera o início da contagem do prazo de inelegibilidade de um político condenado criminalmente. A proposta é que esse prazo, que atualmente é de 8 anos, passe a contar a partir da condenação do político e não mais do cumprimento da sua pena – mudança que diminuiria o período que ele seria obrigado a se afastar de cargos públicos.
A proposta vem ganhando apoio de diferentes partidos, da esquerda à direita. Com a aprovação do requerimento de urgência, ela poderá ser colocada em votação já na semana que vem, quando o Senado fará um esforço concentrado contará com presença em peso de senadores.
A Transparência Internacional – Brasil e outras organizações da sociedade civil que fazem parte da Rede de Advocacy Colaborativo (RAC) se posicionaram contra esse grande retrocesso e publicaram hoje uma nota que explica o impacto dessa mudança e como ela afronta garantias conquistadas na Lei da Ficha Limpa.
Se aprovado pelo Senado, o PLP 192/2023 seguirá para aprovação do Poder Executivo e, caso seja chancelado pelo presidente Lula, fará com que políticos condenados possam, já a partir de 2026, voltar à vida pública em bem menos tempo.
Mas o que o PLP 192/2023 muda efetivamente na Lei da Ficha Limpa?
Quando o político é denunciado por algum crime, ele é afastado do cargo para que a Justiça inicie as investigações. Daí em diante, é aberto um processo, que pode durar anos, no qual ele, legitimamente, pode recorrer da sentença. Caso seja declarado culpado, o político cumprirá a pena imposta pela Justiça e somente depois que a pena for finalizada que começará a contar seu afastamento de oito anos.
No entanto, com a mudança proposta pelo PLP 192/2023, se a contagem do tempo for iniciada a partir de sua condenação, os 8 anos poderiam, até mesmo, serem reduzidos pela metade.
Além disso, outras mudanças preocupantes podem ocorrer se o projeto for aprovado, como, por exemplo, o estabelecimento de um prazo máximo de 12 anos de inelegibilidade para o político, mesmo que as investigações sejam demoradas ou ele tenha mais de uma condenação; e a obrigação de ser comprovado “dolo” em crimes de improbidade administrativa, ou seja, só haverá condenação se for comprovado que o investigado teve “intenção” de descumprir a lei, o que dificulta sua responsabilização.
É como se a classe política quisesse reescrever a Lei da Ficha Limpa, alterando seu nome para “Lei da Impunidade”, representando mais uma investida contra o combate à corrupção. O avanço desse projeto no Senado é mais um retrocesso para o combate à corrupção. Há poucas semanas, a PEC da Anistia foi aprovada na Câmara dos Deputados, o que significou outra grande derrota para a sociedade brasileira.
Debate feito às pressas e sem participação da sociedade
As alterações na Lei da Ficha Limpa acontecem, mais uma vez, sem a menor participação da sociedade e vão no sentido oposto do processo de iniciativa e participação popular que fez com que a lei fosse considerada uma das principais vitórias legislativas da sociedade.
Confira a nota publicada pela Rede de Advocacy Coletivo na íntegra:
NOTA PÚBLICA DE ORGANIZAÇÕES DE PROMOÇÃO DA TRANSPARÊNCIA E DE COMBATE À CORRUPÇÃO
Sobre o PLP 192/2023, que altera a Lei da Ficha Limpa, a ser votado pelo Plenário do Senado Federal
A lei da Ficha Limpa faz parte da história da cidadania brasileira como importante instrumento político de depuração originado a partir de projeto de iniciativa popular, o que lhe confere dose adicional de legitimidade. São, portanto, extremamente preocupantes os retrocessos para o combate à corrupção e para a promoção da integridade pública advindos da potencial e iminente aprovação do PLP 192/23 pelo Senado Federal.
As organizações abaixo assinadas, integrantes da Rede de Advocacy Colaborativo, vêm a público manifestar seu repúdio ao texto atualmente em análise. Em sentido diametralmente oposto à aprovação da Lei da Ficha Limpa, a sociedade civil foi absoluta e indevidamente alijada do processo de construção do PLP 191/23, não tendo havido debate público em relação a tema de tamanha relevância e que implica em enfraquecimento do projeto originalmente apresentado por iniciativa popular.
A medida enfraquece o sistema democrático a partir da relativização de normas voltadas justamente à garantia de sua higidez, mediante o afastamento de personagens que já se mostraram objetivamente indignos de representar o eleitor brasileiro, por período proporcional à seriedade das irregularidades perpetradas. Não se pode abreviar o período em que o agente faltoso permaneça afastado da função pública, sob pena de desfigurar a própria essência da lei da Ficha Limpa.
A diminuição de tal prazo, conforme estabelecido pelo projeto em questão, contribui única e exclusivamente para a salvaguarda dos interesses daqueles que já se encontram na posição de representantes da cidadania, mas não foram capazes de desempenhar com retidão e moralidade tal função.
Somente uma intensa mobilização da sociedade civil pode impedir a efetivação de mais esse descalabro, sorrateiro e açodado, justamente durante a campanha eleitoral.
Somado à aprovação da PEC da Anistia, o retrocesso na lei da Ficha Limpa evidenciará o distanciamento das prioridades do Congresso Nacional com relação às aspirações da sociedade brasileira de uma política mais ética e responsiva aos seus anseios.
São Paulo, 28 de agosto de 2024.
Assinam:
Instituto Não Aceito Corrupção
Transparência Internacional Brasil
Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral – MCCE
Transparência Partidária