O Supremo Tribunal Federal (STF) cumpre seu papel ao responsabilizar o ex-presidente Jair Bolsonaro e os outros conspiradores que atentaram contra a Constituição e o Estado Democrático de Direito no Brasil. Agindo com coragem e altivez diante da gravidade dos crimes cometidos, a resposta das instituições brasileiras neste caso contrasta com omissões históricas do país e de outras democracias diante de ameaças autoritárias. A defesa da Constituição exige firmeza e coerência.
Não obstante divergências entre os julgadores, o conjunto probatório das principais acusações é robusto e não houve violação de garantias fundamentais que justifique qualquer discussão sobre anistia ou indulto em favor dos réus do núcleo conspirador.
A conspiração golpista foi o ápice de um processo de desmonte do sistema de freios e contrapesos da democracia brasileira, denunciado insistentemente1 pela Transparência Internacional – Brasil durante o governo Bolsonaro:
• Na neutralização do controle jurídico, com a nomeação de um Procurador-Geral da República vassalo;
• Na corrupção do controle político, através do suborno institucionalizado do Parlamento por meio do “orçamento secreto”;
• Na erosão do controle social, com o fechamento de espaços de participação, sigilos abusivos e ataques à imprensa e à sociedade civil.
A defesa da democracia pelo STF não se esgota na responsabilização dos conspiradores. Ela exige, ainda mais essencialmente, um compromisso com a restauração da normalidade constitucional — condição indispensável para o fortalecimento dos freios e contrapesos, da confiança pública nas instituições e da estabilidade democrática. Esse compromisso deve se refletir tanto na atuação externa da Corte quanto em sua conduta interna, orientada pela autocontenção, pela integridade e pela responsabilidade institucional.
Essa autocontenção institucional deve se refletir já nos processos de responsabilização dos participantes da invasão da Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023, assegurando as garantias fundamentais de todos os envolvidos, sob pena de legitimar o caminho equivocado e perigoso da anistia. Por isso, a Transparência Internacional – Brasil reforça sua crítica aos processos que vêm condenando centenas destes participantes — que não tiveram envolvimento com o planejamento e financiamento das ações antidemocráticas — a longas penas de prisão. Nestes casos, existem falhas processuais evidentes e graves, como apontado pela Defensoria Pública da União: denúncias genéricas, ausência de individualização das condutas, foro incompetente e desproporcionalidade das penas.
A promoção da integridade institucional exige também uma atuação muito mais firme e coerente contra a corrupção, em contraste com o que vem ocorrendo recentemente, com decisões do STF que têm promovido a impunidade generalizada em casos de macrocorrupção. Soma-se a isso a conduta ética de ministros, incompatível com conflitos de interesse cada vez mais frequentes e normalizados, em relações impróprias com agentes políticos e, sobretudo, com o lobby privado de empresas e escritórios de advocacia.
No próximo ciclo eleitoral, uma eventual nova composição política no Congresso Nacional e na Presidência da República poderá não apenas promover a impunidade dos golpistas por meio de indultos e anistias, mas também retaliar contra o STF com propostas de reformas institucionais que, em vez de corrigirem distorções, ameacem a independência essencial do Poder Judiciário — como se observa em diversos países que enfrentam processos de recessão democrática.
Serão a autocontenção constitucional do STF e a promoção da integridade os principais fatores para fortalecer a credibilidade do tribunal e do sistema de Justiça perante a sociedade. Os ataques autoritários não cessarão com o julgamento dos golpistas — ao contrário, é provável que se intensifiquem, tanto no plano doméstico quanto internacional. Por isso, o STF precisará de sua máxima legitimidade para preservar sua reserva de autoridade.
O encerramento do ciclo de responsabilização dos atos antidemocráticos e o início da nova presidência do ministro Edson Fachin representam uma oportunidade histórica para esse esforço de resgate e legitimação institucional.