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OCDE critica Brasil por impunidade em casos de corrupção

Relatório publicado hoje cita ausência de condenações definitivas para indivíduos e decisão judicial que anulou provas oriundas do acordo da Odebrecht
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Escritório da OCDE em Paris. Foto: OECD/Divulgação

O Grupo de Trabalho Antissuborno da OCDE (WGB, na sigla em inglês) publicou hoje o relatório da quarta fase da avaliação sobre o cumprimento pelo Brasil da Convenção Antissuborno da OCDE[1]. O documento foi aprovado em reunião plenária do WGB após a delegação brasileira ser sabatinada sobre os resultados da avaliação, na última quarta-feira (11), na sede da OCDE em Paris.

O relatório final traz críticas e expressa preocupação sobre a impunidade nos casos de corrupção transnacional no país que permanecem sem resolução final ou são anulados pela Justiça. O documento destaca o fato de que nenhum indivíduo chegou a receber condenação definitiva por suborno transnacional no Brasil e que o primeiro caso desse tipo continua em andamento na Justiça há quase 10 anos. O texto ainda cita que, dos nove envolvidos, oito já foram absolvidos por prescrição do crime.[2]

Apesar de ter ocorrido recentemente e após a visita dos avaliadores ao país, a decisão do ministro Dias Toffoli, do STF, que anulou todas as provas do acordo de leniência da Odebrecht, foi mencionada diversas vezes no documento e encabeça a lista de assuntos que estarão sob monitoramento do WGB e sobre os quais o Brasil terá que reportar daqui a dois anos. [3]

Além do seu impacto sobre a segurança jurídica dos acordos de leniência no Brasil, o WGB expressa preocupação sobre as consequências da decisão sobre a capacidade de investigadores brasileiros seguirem cooperando internacionalmente (uma das obrigações dos países signatários da Convenção). Em contraposição à premissa da decisão do ministro, que colocou em xeque as tratativas diretas entre procuradores brasileiros e estrangeiros, o relatório da OCDE avaliou positivamente que “todas as autoridades competentes, incluindo a CGU, o MPF e a PF, promoveram laços e contatos informais, através do envolvimento com suas contrapartes estrangeiras, bem como da participação em iniciativas regionais ou outras redes de agentes da lei” e prossegue recomendando que “desenvolver e manter esses laços e essa cooperação informais é reconhecido como uma boa prática, crucial e internacionalmente aceita”.[4]

O documento reitera questionamentos sobre a independência efetiva de agentes da lei, expressando “sérias preocupações com um efeito inibidor (chilling effect) decorrente da combinação entre a ampliação da Lei de Abuso de Autoridade e recentes ações disciplinares — ou mesmo cíveis e criminais — contra procuradores atuando em casos importantes de corrupção”. Por outro lado, o texto também aponta preocupação sobre o viés político influenciando decisões de aplicação da lei, citando um episódio “confirmado pela Suprema Corte em um caso proeminente de corrupção doméstica”. O relatório ainda cita “a percepção, baseada em diversos relatos de politização da Procuradoria-Geral da República e a interferência indevida do anterior Presidente na Polícia Federal e outras agências de investigação.”[5]

Sobre estes aspectos, o relatório da OCDE recomenda que o Brasil “(i) adote salvaguardas para proteger a PGR de politização e percepção de politização; e (ii) reforce garantias contra possíveis vieses políticos de agentes de aplicação da lei, bem como contra o possível uso arbitrário de medidas disciplinares ou de outras formas de responsabilização como meios de retaliação contra procuradores envolvidos em ações sensíveis anticorrupção ou correlatas.”[6]

O relatório também reconheceu avanços do país no enfrentamento à corrupção transnacional, como os acordos de leniência firmados ao longo dos últimos anos e avanços recentes da CGU no campo da prevenção. Também sinalizou como positivos o aumento dos recursos disponíveis para a Polícia Federal investigar crimes de corrupção, o abandono pelo Congresso Nacional da tentativa de interferir politicamente no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) com a ‘PEC da Impunidade’ e esforços para proteger denunciantes de irregularidades no setor público, ainda que estes não tenham ainda alcançado o setor privado.[7]

“Avaliações internacionalmente reconhecidas, como esta do Grupo Antissuborno da OCDE, são uma fonte importante de diagnóstico técnico independente que considera não só a adequação legal, mas também a efetividade das instituições no combate à corrupção que produz tantos danos sociais e violações de direitos no Brasil e em todo o mundo. É uma oportunidade para a sociedade e instituições brasileiras reavaliarem seus esforços no enfrentamento à corrupção à luz das melhores práticas internacionais.” comenta Guilherme France, gerente de pesquisa da Transparência Internacional – Brasil.

Brasil passou pela quarta avaliação da OCDE

Desde que aderiu à Convenção Antissuborno da OCDE, no ano 2000, o Brasil já passou por quatro rodadas de avaliação sobre a implementação de mecanismos de prevenção e combate à corrupção transnacional: em 2004, 2007, 2014 e agora, em 2023. É possível que, entre as rodadas de avaliação, um país seja instado a apresentar um relatório parcial indicando suas ações para implementar as recomendações da OCDE. Em 2016, o Brasil apresentou um relatório parcial, referente às recomendações que haviam sido apresentadas na terceira rodada de avaliações.

Desde então, o país foi alvo de críticas e medidas gravosas por parte da OCDE, em reação a retrocessos legais e institucionais, além de decisões judiciais que colocavam o Brasil em descumprimento da Convenção, como a decisão do ministro Dias Toffoli no caso do senador Flávio Bolsonaro, em 2019, que resultou na paralização de centenas de investigações de lavagem de dinheiro. Estas reações críticas culminaram no envio, no mesmo ano, de uma Missão de Alto Nível ao Brasil, quando autoridades brasileiras foram diretamente comunicadas sobre os graves impactos dessas medidas.

Em dezembro de 2020, o WGB decidiu estabelecer um Subgrupo de Monitoramento Permanente para acompanhar a série de retrocessos que o país vinha sofrendo em sua capacidade de enfrentar a corrupção. O resultado do trabalho do Subgrupo foi incorporado ao relatório final da quarta fase de avaliação publicado hoje.

As avaliações da implementação da Convenção Antissuborno da OCDE são conduzidas por pares, ou seja, por representantes dos governos de outros países signatários. No caso do relatório da quarta fase, foram representantes da Colômbia e do Reino Unido, apoiados pelo Secretariado da OCDE, que avaliaram o Brasil. Este processo conta com a participação dos governos avaliados, que oferecem informações sobre sua estrutura e funcionamento e respondem a um questionário detalhado. Avaliadores, no entanto, contam também com perspectivas externas, já que recebem informações de membros do setor privado, da sociedade civil e da academia. No âmbito da quarta avaliação brasileira, houve uma visita ao país em maio de 2023, quando avaliadores se reuniram com estes atores. A Transparência Internacional – Brasil participou da consulta in situ, realizada em 18 de maio, na sede da CGU em São Paulo.

Há mais de uma década, a Transparência Internacional publica relatórios independentes sobre o cumprimento da Convenção Antissuborno da OCDE por parte dos países signatários. Nos últimos anos, a Transparência Internacional – Brasil publicou uma série de relatórios especiais sobre os graves retrocessos nos marcos legais e institucionais anticorrupção durante o governo de Jair Bolsonaro. Estes relatórios foram enviados ao Grupo Antissuborno da OCDE, bem como ao Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI) e ao mecanismo de acompanhamento da Convenção da ONU contra a Corrupção (estes dois organismos também publicarão relatórios de avaliação do Brasil ainda este ano).


[1] Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais

[2] O documento cita “Aircraft Manufacturer case” fazendo referência ao caso da Embraer, primeiro processo de suborno transnacional instaurado na Justiça brasileira.

[3] “The Working Group will follow up on the issues below as case law, practice and legislation develops: a. The potential consequences that the September 2023 judgment by an STF justice, concerning evidence obtained in relation to the Odebrecht leniency agreement, may have on Brazil’s leniency agreements in foreign bribery matters, in particular the extent to which it might affect their legal certainty; b. The potential consequences that this September 2023 judgment may have on Brazil’s ability to provide and to obtain mutual legal assistance in foreign bribery cases;” (pág. 100)

[4] While most of the foreign bribery-related requests during the relevant time period are from the FPS, the CGU is also playing a more active role. In addition, all the relevant authorities, including the CGU, the FPS, and the DPF, have fostered informal ties and contacts by engaging with foreign counterparts as well as participating in regional or other law enforcement networks. Developing and maintaining such informal ties and cooperation is recognised as a crucial, and internationally accepted, good practice for successfully navigating formal MLA requirements. They encourage all Brazilian authorities responsible for enforcing foreign bribery to continue to use informal contacts, as appropriate, to seek and provide MLA in foreign bribery cases in line with international practice.” (pág. 67)

[5] “The lead examiners are seriously concerned by the perception of lack of independence and autonomy of the prosecutors that has emerged since Phase 3 and by the chilling effect that resulted from the combination of the broadened Law on Abuse of Authority and recent disciplinary or even civil or criminal enforcement actions against prosecutors involved in high-profile anti-corruption enforcement efforts. They also note with concern that, as confirmed by the Supreme Court, political bias influenced law enforcement decisions in a prominent domestic corruption case as well as perceptions, based on various reports, of politicisation of the Office of the Prosecutor General of the Republic and of undue interference by the former President into the Federal Police and other investigative agencies.” (pág. 56)

[6] “The lead examiners recommend that Brazil take all necessary steps, as a matter of priority, to ensure that the factors prohibited by Article 5 of the Convention may, in no circumstances, influence the investigation, prosecution and resolution of foreign bribery cases or jeopardise in any other way the independence of prosecutors including through: (i) putting safeguards in place to protect the Office of the Prosecutor General from politicization or the perception of politicisation; and (ii) reinforcing guarantees against possible political bias by law enforcement agents as well as against the possible arbitrary use of disciplinary or other accountability measures as a means of retaliation against prosecutors involved in sensitive anti-corruption and related enforcement actions. The lead examiners also recommend that the Working Group follow up on whether sufficient measures are in place to prevent political interference in the Federal Police and other investigative agencies.” (pág. 57)

[7] “Regarding the DPF, the lead examiners welcome the increase in resources for the police, the creation of the central Department of Investigations of Organized Crime (DICOR) and the local Corruption and Financial Crime Repression Stations (DELECORs) aimed at fostering specialisation.” (p. 46) “In October 2021, the Working Group MSG started to monitor a draft amendment to the Constitution which proposed to give the CNMP powers beyond the administrative and disciplinary supervision of prosecutors. Civil society and media reported that if approved, this draft amendment would raise serious concerns regarding prosecutorial independence.99 In December 2021, Congress rejected this draft amendment. The Working Group decided to further monitor this issue in Phase 4. In its questionnaire responses, Brazil indicates that this draft amendment has not been re-introduced in Congress and that no similar legislative proposals are considered. The Working Group can stop monitoring this issue.” (p. 53) “The Brazilian authorities have made concerted efforts since Phase 3 to increase whistleblower protections and to improve whistleblower channels, in particular through the CGU’s online portal Fala.Br. While Brazil’s primary whistleblower legislation (Law 13.608/2018) contains aspects addressing many elements of the 2021 Recommendation, the lead examiners consider that it primarily focusses on protecting the Brazilian public sector, limiting its relevance for whistleblowing in the private sector.” (p. 33)

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