Com pontuação média de 43 pontos pelo 4º ano consecutivo no Índice de Percepção da Corrupção (IPC), a região das Américas não tem conseguido progredir significativamente na luta contra a corrupção. Embora o Canadá consistentemente apresente um bom desempenho, tendo alcançado 77 pontos — na escala e 0 a 100, na qual 0 significa que o país é percebido como altamente corrupto e 100 significa que o país é percebido como muito íntegro — o país teve uma queda de quatro pontos em relação ao ano passado e de sete pontos desde 2012. No último lugar do ranking regional do IPC está a Venezuela, com 16 pontos, o que também a posiciona entre os cinco últimos colocados no ranking global.
INTEGRIDADE POLÍTICA NA REGIÃO
As Américas enfrentam desafios consideráveis advindos de líderes políticos que agem em função de seus próprios interesses e em detrimento da sociedade. Mais especificamente, o financiamento de partidos políticos e a integridade eleitoral são grandes desafios para a região.
Por exemplo, a Operação Lava Jato — que expôs esquemas de corrupção em pelo menos dez países latino-americanos — aponta para uma forte expansão de contribuições políticas ou doações ilegais como parte de um dos maiores escândalos de corrupção da história.
A Odebrecht — a gigante brasileira da construção civil que está no centro desses escândalos — foi condenada na justiça por ter pago US$ 1 bilhão em propinas ao longo dos últimos 15 anos, inclusive para lideranças políticas do Brasil, Peru, Argentina, entre outros países, por meio de esquemas de financiamento de campanha.
QUEDAS CONSIDERÁVEIS
Com 22 e 29 pontos, respectivamente, Nicarágua e México registraram quedas consideráveis no IPC desde 2012. Embora o último Barômetro Global da Corrupção — América Latina e Caribe destaque a compra de votos e outros problemas ligados à corrupção no México, uma reforma anticorrupção recente e uma nova e mais autônoma Procuradoria-Geral são mudanças positivas.
Na Nicarágua, crescem as inquietações sociais e as violações dos direitos humanos. Há também grande deficiência de serviços públicos e de processos participativos para tomada de decisão no país.
A corrupção é também tema central na recente crise política e social do Chile, que registrou 67 pontos no IPC 2019. Em queda considerável desde 2014, o país deparou-se recentemente com um ponto de virada na luta contra a corrupção. Depois de anos de desigualdades econômicas e sociais, cidadãos chilenos agora demandam transparência e menos impunidade no sistema judiciário do país.
Com 26 pontos, a Guatemala teve uma queda considerável de sete pontos no IPC desde 2012. A não renovação da Comissão Internacional contra a Impunidade na Guatemala (CICIG) provavelmente impactou os esforços anticorrupção do país. Um fraco ministério público federal e uma força policial nacional sucateada contribuem para o problema. Leis a favor da impunidade e casos importantes de corrupção — como o do esquema que ficou conhecido como “La Línea” — são carregados de desafios, visto que os juízes estão frequentemente sob ataque.
Estados Unidos
Com uma pontuação de 69, os Estados Unidos caíram dois pontos desde o IPC anterior, atingindo sua pior marca no ranking em oito anos. Tudo isso ocorre em um momento em que a confiança dos americanos no governo encontra-se no mínimo histórico de 17 por cento, de acordo com o Pew Research Center.
Os EUA enfrentam um amplo leque de desafios, desde ameaças a seu sistema de freios e contrapesos, passando pela influência cada vez maior de interesses privados sobre o governo, até o uso de empresas de fachada por criminosos, corruptos e até terroristas, com o objetivo de esconder atividades ilícitas.
Ainda que Trump tenha sido eleito com a promessa de eliminar a corrupção e fazer o governo trabalhar mais para as pessoas comuns do que para os “figurões” de Washington e as elites políticas, uma série de escândalos, pedidos de demissão e alegações de comportamento antiético sugerem que a cultura da propina apenas se tornou mais arraigada.
Em dezembro de 2019, a Câmara dos Deputados dos EUA aprovou o impeachment do presidente Trump por abuso de poder e obstrução do Congresso.
A queixa de um denunciante desencadeou o processo de impeachment contra Trump, reforçando a importância do arcabouço legal e ações efetivas de proteção para vítimas e denunciantes de casos de corrupção.
Canadá
Com uma pontuação de 77, o Canadá caiu quatro pontos desde o ano passado e, o que é mais significativo, sete pontos desde 2012
Nos últimos anos, o problema de lavagem de dinheiro do Canadá, ou “snow washing”, veio para os holofotes. O “E-Pirate” — um caso de 2019 envolvendo uma empresa de fachada que lavou centenas de milhões de dólares da China — é um bom exemplo dos desafios de se esconder o verdadeiro dono de uma empresa dos olhos da população.
Além da corrupção em casa, o Canadá também está contribuindo para a corrupção no exterior. Em nosso recente relatório Exporting Corruption, o comprometimento do Canadá com a Convenção Antissuborno da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) caiu de “moderada” para “limitada”.
A baixa aplicação das leis anticorrupção ficou evidente no recente caso da SNC-Lavalin, uma empresa de construção canadense que supostamente pagou US$ 48 milhões em subornos a autoridades do Líbano.
MELHORAS CONSIDERÁVEIS
Com 40 pontos, a Guiana apresentou acentuada melhora no IPC desde 2012. Embora ainda haja muito trabalho a ser feito, o governo vem demonstrando vontade política para responsabilizar ex-políticos pelo uso indevido de recursos estatais.
Com alta de sete pontos no ranking desde 2016, o Equador mostrou pontuação de 38 no índice deste ano. Esse aprimoramento pode estar relacionado a um referendo e uma consulta popular recentes que estabelecem limites aos mandados presidenciais e impedem que condenados por corrupção ocupem cargos públicos.
BRASIL
A corrupção ainda é um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento econômico e social no Brasil. Com 35 pontos, o país segue estagnado, com sua menor pontuação no IPC desde 2012. Após as eleições de 2018, que foram profundamente influenciadas pela agenda anticorrupção por parte de diversos candidatos, o Brasil passou por uma série de retrocessos em seu arcabouço legal e institucional anticorrupção.
O país também enfrentou dificuldades no avanço de reformas mais abrangentes em seu sistema político. Os retrocessos observados no Brasil incluem, entre outros, uma liminar do Supremo Tribunal Federal que praticamente paralisou o sistema de combate à lavagem de dinheiro do país e um inquérito ilegal que secretamente busca constranger agentes da lei. Dentre os desafios atuais, há uma crescente interferência política do presidente Bolsonaro nos chamados órgãos de controle e uma legislação, recentemente aprovada, que ameaça a independência dos agentes da lei e a accountability dos partidos políticos.
Para uma retrospectiva detalhada dos avanços e retrocessos, confira nosso relatório especial (em inglês) clicando aqui.
Relatórios completos sobre o Brasil e informações sobre a metodologia disponíveis em: https://ipc.transparenciainternacional.org.br/
Esta nota foi originalmente publicada em 29 de janeiro de 2020, pelo Medium da Transparência Internacional – Brasil e replicada posteriormente neste blog.