O México é um dos mais de 70 países com eleições neste ano. Por lá, a insatisfação com a condição atual da democracia está mais presente do que nunca. O Relatório Latinobarometro 2023 revela que o México é um dos países com a maior queda no apoio à democracia na região, com pouco mais de um terço da população expressando apoio a ela.
No entanto, no fim deste túnel obscuro, há uma luz que brilha graças a iniciativas lideradas por cidadãos da segunda maior cidade do México, Guadalajara, capital do estado de Jalisco. Mais de 350 mil pessoas – aproximadamente o número esperado para participar dos Jogos Olímpicos de 2024 na França – estão monitorando ativamente as finanças públicas e garantindo a transparência na alocação de recursos por meio de orçamento participativo e auditoria cívica.
Em muitos países, a responsabilidade de auditar as receitas e despesas dos governos está sob o escopo de entidades independentes, as Instituições Superiores de Auditoria (ISAs) ou Auditores Gerais, no México. As auditorias realizadas por esses órgãos são importantes para fornecer informações sobre a gestão das finanças públicas tanto para os legisladores e o governo, quanto para a sociedade civil organizada e a população em geral.
No México, as ISAs estão colaborando cada vez mais com os cidadãos e as Organizações da Sociedade Civil (OSCs), envolvendo-os na seleção de auditorias e na divulgação de informações relevantes e de fácil compreensão sobre os resultados do monitoramento dos recursos públicos. Desta forma, as auditorias participativas surgem como um instrumento inovador e inclusivo para aumentar a responsabilidade na gestão das finanças públicas.
Essa mudança para um engajamento ativo da população, saindo do papel passivo de observadores e partindo para ação, é fundamental para as sociedades democráticas, especialmente no combate à corrupção. Os cidadãos que vivenciam a corrupção na pele desempenham um papel central na detecção, na denúncia da má gestão e na garantia de integridade dos gestores. Além disso, no México, o fato de os resultados das auditorias participativas serem obrigatórios para o município, fortalece os controles institucionais existentes por meio do envolvimento dos cidadãos, responsabilizando os tomadores de decisão pela gestão dos recursos públicos.
Os cidadãos têm o direito de saber como o dinheiro público é alocado e gasto, e a participação de cada munícipe na forma como isso é feito é essencial. Abrir as finanças do governo para a opinião e a inspeção pública pode elevar a qualidade do orçamento, contribuir para a redução da corrupção e melhorar a alocação de recursos. Esse ciclo coopera para que os gastos do governo estejam alinhados com as prioridades da população e garante que os recursos públicos sejam usados conforme o planejado.
Guadalajara, cidade de quase 1,5 milhão de habitantes no México, é um ótimo exemplo. Por três anos consecutivos, e com o apoio técnico da Transparencia Mexicana, os cidadãos têm trabalhado com a Controladoria Municipal de Guadalajara para definir quais programas e obras públicas devem ser auditados.
Como conseguir que 350 mil cidadãos se envolvam ativamente no monitoramento dos recursos públicos e responsabilizem o governo?
O caso de Guadalajara mostra que a resposta está num mecanismo baseado em três princípios:
- Simplicidade: As auditorias participativas são projetadas como um mecanismo simples, oferecendo opções de votação acessíveis, como plataformas oficiais presenciais e on-line. Essa facilidade de engajamento incentiva uma participação mais ampla.
- Baixo custo: O governo municipal faz um investimento único em implantação de recursos humanos, trabalho de campo e tecnologia, permitindo que os cidadãos moldem o futuro de sua cidade por meio de dois mecanismos participativos. Com esse voto, os cidadãos influenciam em duas decisões:
i) quais áreas devem receber financiamento por meio do orçamento participativo;
ii) quais programas, obras e setores devem ser auditados por meio da auditoria participativa.
As áreas a serem votadas incluem as contribuições dos cidadãos, que são particularmente valiosas, pois podem sinalizar programas e serviços públicos em potencial que devem ser auditados por envolverem um risco maior devido ao tamanho do orçamento ou às reclamações dos cidadãos sobre o fornecimento dos serviços. Esse processo simplificado se assemelha aos referendos europeus, em que as perguntas geralmente são incluídas juntamente com as eleições para cargos públicos, promovendo a eficiência na tomada de decisões democráticas. - Efeitos vinculantes sobre o trabalho das autoridades: As auditorias participativas têm um efeito vinculante sobre o trabalho do controlador do município. Elas entram diretamente no Programa de Auditoria Municipal, em sobreposição às agendas políticas, e garantem que as vozes dos cidadãos influenciem diretamente nas decisões do governo e promovendo sua responsabilização
Poder ao Povo: fim do argumento de que “o tema é muito técnico”
Os políticos, a sociedade civil e o meio acadêmico falam com frequência sobre a participação social na tomada de decisões públicas. No entanto, essas discussões frequentemente apresentam certo preconceito contra o envolvimento dos cidadãos em questões técnicas, como na fiscalização de recursos públicos.
No México, as leis estabelecem critérios técnicos para a definição de programas de auditoria. Esses critérios também permitem auditorias especiais para tratar de questões sociais e políticas específicas, como os recursos destinados ao combate da Covid-19. No entanto, as preocupações dos cidadãos geralmente não são incluídas nas decisões do governo sobre o que deve ser fiscalizado.
Ao defender a realização de auditorias participativas, a Transparencia Mexicana e a Controladoria Cidadã de Guadalajara desafiaram essa prática tendenciosa. Os resultados mostram que as preocupações dos cidadãos, como os programas sociais que beneficiam populações vulneráveis, a prestação de serviços públicos e o transporte, por exemplo, diferem das preocupações dos governos, dos gestores e servidores públicos e dos especialistas. A conscientização dos cidadãos sobre essas questões enfatiza que a alocação de recursos deve beneficiar as comunidades vulneráveis, que são desproporcionalmente afetadas pelas desigualdades sociais.
Em Guadalajara, a realização de auditorias participativas agora é uma responsabilidade obrigatória para as autoridades municipais. O sucesso dessas auditorias fez com que a Presidência do Sistema Anticorrupção do Estado de Jalisco, bem como organizações sociais, civis e acadêmicas, defendessem que os candidatos a governador se comprometessem a implementar auditorias participativas em todos os municípios do estado.
O ano eleitoral é uma oportunidade para expandir as auditorias participativas
Hoje, as auditorias participativas são reconhecidas como uma ferramenta poderosa para proteger os interesses das comunidades. Consequentemente, a sociedade civil organizada tem como objetivo estabelecer a participação social na tomada de decisões públicas como um direito garantido para os cidadãos, em vez de um privilégio. Inspirada pelo sucesso em Guadalajara, essa iniciativa poderia se estender por todo o México e até mesmo ser adaptada em outros países.
Em muitas regiões do mundo, o descontentamento com a democracia é um desafio significativo. A representação, por si só, não consegue convencer as pessoas quanto à capacidade da democracia de melhorar as condições de vida da população. A participação cidadã pode ajudar a resolver esse problema, capacitando os indivíduos a moldarem suas próprias realidades.
A auditoria participativa é um mecanismo poderoso que pode melhorar a confiança pública no governo, aumentar a participação cívica e o conhecimento político, aumentar a receita tributária e levar a melhores resultados de desenvolvimento.
As eleições no México e em todo o mundo representam uma oportunidade de ouro para o avanço das auditorias participativas. Independentemente dos partidos políticos e dos eleitos no pleito, recomenda-se aos governos recém-eleitos que adotem esse mecanismo. Ao priorizar a expansão dessa ferramenta e ampliar o seu impacto – especialmente para as populações vulneráveis que mais podem ganhar com essa iniciativa – será possível garantir que a democracia continue sendo um processo participativo que realmente atenda às necessidades dos cidadãos.
O texto acima foi originalmente publicado em inglês, pela Transparencia Mexicana, no blog da Transparency International.