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Como os direitos LGBTI+ são afetados pela corrupção e falta de transparência

A luta contra a corrupção não é um fim em si mesmo, mas sim um caminho para garantir o direito de todas as pessoas.
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A ampliação de direitos da comunidade LGBTI+ no Brasil é diretamente afetada pela corrupção e pela falta de transparência.  A corrupção perpetua redes estabelecidas de homens brancos, heteros e cis em espaços formais de poder e dificulta a inclusão de grupos marginalizados, especialmente na política.  

A forma desigual como são distribuídos o Fundo Eleitoral e o Fundo Partidário, as benesses envolvendo o Orçamento Secreto para aliados políticos e as redes de clientelismo no Legislativo e Executivo são exemplos de barreiras à diversificação do perfil social dos indivíduos que ocupam espaços de liderança política.  

No nível das políticas públicas, por sua vez, a falta de transparência e a ausência de dados públicos sobre as vivências da comunidade LGBTI+ dificultam a formulação e o planejamento de políticas que promovam a inclusão e a dignidade deste grupo.  

No que diz respeito ao acesso de indivíduos LGBTI+ a espaços formais de poder, existem inúmeras barreiras que são reforçadas pela corrupção: a substituição de critérios objetivos por conexões pessoais ou familiares e a existência de arranjos políticos informais – baseados em clientelismo, tráfico de influência e troca de favores – favorecerem a manutenção de redes estabelecidas e impedem uma diversificação em posições de poder. Mesmo fora da política – em empresas, em associações profissionais e em universidades, por exemplo – estes obstáculos também existem.  

Eleição sempre dos mesmos

No ambiente eleitoral, os próprios partidos políticos, na distribuição de recursos, priorizam critérios informais, como o pertencimento a determinada rede de contatos e a confiança construída na base da semelhança e da identificação, em detrimento da competência e da diversidade. Da mesma forma, a preferência por candidatos com recursos financeiros próprios (ou conexão a grupos com capacidade financeira de apoiá-los) também favorece desproporcionalmente homens brancos, heteros e cis.  Mesmo com um avanço no número de candidatos LGBTI+ eleitos em 2022, as candidaturas deste grupo ainda recebem recursos insuficientes para se tornarem competitivas.   

Após eleitos, indivíduos LGBTI+ eleitos enfrentam desafios muito maiores se comparados aos seus pares. Um levantamento feito pelo jornal Folha de São Paulo em 2022 revelou, por exemplo, que a grande maioria de candidaturas transgêneras eleitas é alvo frequente de ataques e ameaças. Além disso, sofrem com a falta de respaldo e proteção por parte das instituições legislativas às quais pertencem, o que claramente reflete a exclusão desses indivíduos das redes tradicionais de poder, enquanto, paradoxalmente, tais redes se mobilizam prontamente para proteger os agressores.  

Em meio a esse cenário, a maior parte dos avanços nos direitos LGBTI+ no Brasil foram conquistados pela atuação do Judiciário, especialmente do STF. Foram produto de decisões judiciais, por exemplo, o direito ao casamento, à adoção e à retificação do nome, bem como a criminalização da LGBTfobia, em 2019. Entretanto, estes direitos não estão positivados no ordenamento jurídico, ou seja, não estão expressamente incorporados em leis específicas que garantam sua proteção e efetividade. A fragilidade desses direitos se torna evidente não apenas pela possibilidade de sua revogação em caso de alteração na composição do STF, mas também pela falta de precisão nas decisões, deixando lacunas para que os agentes do Direito as interpretem de forma errada ou se omitam, descumprindo decisões.  

Quando esses direitos não estão devidamente consagrados nas leis, abre-se espaço para a corrupção a partir do abuso de poder, que é em si um produto da discriminação estrutural. A discriminação cria um cenário de medo e silêncio, pois as pessoas pertencentes a minorias LGBTI+ podem enfrentar retaliação e estigmatização ao denunciar abusos de poder. Isso cria uma barreira adicional para a exposição e o combate à corrupção, perpetuando a marginalização desses grupos e a negação de seus direitos básicos. Entre os principais obstáculos para a efetiva criminalização da LGBTfobia, por exemplo, encontra-se a resistência por parte de profissionais do Direito (delegados, promotores, juízes) em reconhecer a existência de motivação LGBTfóbica para crimes denunciados, em atribuir a devida prioridade à investigação e processamento desses e mesmo em discordar da interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal à Lei do Racismo, que equiparou a discriminação contra LGBTI+ à prática de racismo. 

Falta de transparência dificulta políticas públicas para LGBTI+

Já no ciclo de políticas públicas, a falta de transparência e a ausência de dados públicos sobre a população LGBTI+ dificultam a formulação e o planejamento de políticas efetivas para este grupo. Durante a execução do Censo Demográfico pelo IBGE1, o governo Bolsonaro resistiu à inclusão de questões relativas à orientação sexual e à identidade de gênero no levantamento. A falta de dados dificulta a identificação de lacunas e desigualdades, impedindo a obtenção de um panorama completo das disparidades enfrentadas pela comunidade LGBT+, por exemplo, em questões como violência, discriminação, acesso à saúde, educação e trabalho. A falta de diagnósticos adequados resulta em inconsistência – e até mesmo em ausência – de políticas direcionadas para este segmento.  

Já a baixa transparência em ambientes de poder, como o Legislativo e o Executivo, também pode ter impacto no avanço dos direitos LGBTI+. A falta de transparência pode permitir que políticos adotem posturas discriminatórias ou restritivas em relação aos direitos LGBTI+ sem que a comunidade tenha conhecimento prévio ou possa se engajar no processo de formulação de políticas.  

A falta de divulgação clara de reuniões, agendas e decisões políticas relacionadas aos direitos LGBTI+ dificulta a participação efetiva da comunidade e de organizações que a representam, limitando seu poder de influência e capacidade de defesa de seus direitos. Além disso, a falta de transparência abre espaço para a atuação de lobbies conservadores e anti-LGBTI+ nos bastidores, podendo resultar em retrocessos em avanços conquistados.  

No Brasil, onde a regulamentação do lobby ainda é bastante limitada, é fundamental que haja igualdade de acesso aos tomadores de decisão, assegurando que diferentes grupos e setores da sociedade tenham a oportunidade de apresentar seus interesses e perspectivas de forma equânime.

No contexto dos direitos de minorias, como os direitos LGBTI+, a igualdade de acesso pode desempenhar um papel crucial no avanço dessas pautas. Ao garantir que todos os indivíduos e organizações tenham voz e sejam ouvidos pelos tomadores de decisão, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero, promove-se a inclusão e a diversidade nas discussões políticas.

Essa igualdade de acesso pode trazer à tona as necessidades e os desafios específicos enfrentados pelas minorias LGBTI+, possibilitando que suas demandas sejam levadas em consideração na elaboração de políticas públicas mais justas e inclusivas. Além disso, ao ampliar a representatividade e participação das minorias LGBTI+ nos processos de tomada de decisão, fortalece-se a democracia e cria-se um ambiente propício para o progresso e a promoção dos direitos humanos para todos. 

Por tudo isso, a corrupção e a falta de transparência têm um impacto significativo nos direitos LGBTI+ no Brasil. A corrupção dificulta a inclusão de grupos marginalizados na política e a falta de transparência impede a formulação de políticas efetivas para a comunidade LGBTI+. A discriminação estrutural e a resistência dentro do sistema jurídico e político também contribuem para a negação dos direitos básicos dessa população. Por isso, garantir a igualdade de acesso aos tomadores de decisão e promover a participação das minorias LGBTI+ nos processos políticos podem abrir caminho para políticas mais inclusivas e para o avanço dos direitos humanos. 

  • Gerson é jornalista na Transparência Internacional - Brasil

  • Klei é consultor do Centro de Conhecimento Anticorrupção da Transparência Internacional - Brasil

Grupo de Trabalho

Como os direitos LGBTI+ são afetados pela corrupção e falta de transparência

A luta contra a corrupção não é um fim em si mesmo, mas sim um caminho para garantir o direito de todas as pessoas.
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