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Análise sobre a PEC da Anistia: três passos para impunidade

Aprovada na CCJ da Câmara, a PEC 9/2023 fortalece a impunidade de partidos políticos que cometeram irregularidades eleitorais
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Placar da votação pela constitucionalidade da PEC 09/2023 na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados

A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou esta semana a admissibilidade da PEC 9/23, conhecida popularmente como “PEC da Anistia dos Partidos”.

Inicialmente, parece que se trata apenas de um juízo inicial, de pouca importância, que poderá ser complementado conforme a discussão avança na Casa. Pelo menos, foi este argumento que muitos parlamentares tentaram, constrangidos, utilizar.

Mas considerando o conteúdo da proposta — composta de apenas três pontos — é alarmante que ela tenha sido apresentada (com apoio de 184 deputados, embora 16 assinaturas tenham sido retiradas posteriormente) e pior ainda ter sido considerada constitucional.

O texto da PEC da Anistia afronta o princípio da igualdade (art. 3º), da segurança jurídica (art. 5º), da anterioridade eleitoral (art. 16º) e da moralidade e impessoalidade (art. 37º) previstos na Constituição Federal. Além disso, a própria discussão da matéria viola o regimento interno da Câmara dos Deputados, que exige que os parlamentares se declarem impedidos ao legislar sobre causas próprias ou assuntos em que tenham interesse individual. Essa falta de respeito às regras revela o interesse singular dos partidos e de seus membros em legislar em causa própria.

Em resumo, todos três dispositivos da PEC 9/2023 são prejudiciais para a concepção de senso público, cidadania, democracia, transparência e combate à corrupção.

Redução da representatividade no Congresso 

O primeiro artigo da PEC da Anistia visa anular quaisquer sanções relacionadas ao descumprimento das cotas de financiamento destinadas a mulheres e negros no processo eleitoral.

O Brasil apresenta a menor taxa de representatividade política feminina nos Congressos Nacionais da América Latina. Com apenas 18% na Câmara e 12% no Senado, a representação feminina brasileira fica atrás até de países que têm legislações conhecidas por discriminar mulheres, como o Paquistão e a Arábia Saudita.

Diante dessa sub-representação das maiorias sociais que são minorias no Congresso, foram estabelecidas cotas para garantir que mulheres e negros tivessem maior capacidade de se eleger. No entanto, apesar das cotas existirem desde 2015, a cada ano eleitoral são aprovadas anistias semelhantes, tornando a lei praticamente ineficaz, sem nenhuma punição efetiva para os partidos que não cumprem ilegalmente sua responsabilidade.

A PEC 9/2023 já é a quarta proposta de anistia nos últimos 8 anos.

A representatividade não é apenas um pilar fundamental da democracia, mas também é essencial para promover a integridade política. A consolidação de elites políticas que usam o poder em benefício de seus próprios interesses é uma das feridas da democracia brasileira, perpetuando o fisiologismo. A ascensão das populações sub-representadas, as mais afetadas pelos sucessos e fracassos das políticas públicas, é uma parte fundamental da solução desse problema e garante a diversidade de ideias e visões na política nacional.

As fraudes cometidas pelos partidos para cumprir as cotas têm resultado em várias ilegalidades nas eleições, como falsidade ideológica e o uso de candidaturas “laranjas”. Mais do que apenas anistiar multas, a PEC 9/23 premia com impunidade a prática de irregularidades diversas, aprofundando as desigualdades e o sistema de opacidade que assola partidos e políticos no Brasil.

Impunidade por desvios e mau uso do dinheiro dos partidos 

O segundo artigo da PEC da Anistia amplia a impunidade não apenas para o descumprimento das cotas para minorias, mas também para qualquer sanção aplicada em relação a irregularidades na prestação de contas partidárias.

Vultuosos valores distribuídos aos partidos políticos, provenientes dos impostos — ou seja, do nosso dinheiro —, não serão devidamente fiscalizados, uma vez que não haverá nenhuma sanção possível.

Na prática, é um “libera geral” para os partidos, principalmente suas lideranças, gastarem o dinheiro como bem entenderem. E não se trata de um valor pequeno: apenas na última eleição, o montante liberado para os partidos ultrapassou os R$ 6 bilhões.

Não faltam exemplos de uso indevido dessas verbas. A Folha de São Paulo destacou, em sua edição de 15 de maio de 2023, o emblemático caso de um partido que teve suas contas rejeitadas e foi obrigado a devolver mais de R$ 2 milhões por suspeita de uso de dinheiro público em benefício do seu presidente. Entre os gastos questionáveis estão a construção de uma piscina, a reforma de sua casa e a compra de 4 toneladas de carne. Caso a lei seja aprovada, casos como esse permanecerão impunes. 

O retorno das doações empresariais 

Por fim, o terceiro artigo da PEC da Anistia libera a doação de pessoas jurídicas para partidos políticos quitarem suas dívidas, indo contra uma decisão de 2015 do STF que declarou a inconstitucionalidade do financiamento privado por pessoas jurídicas. 

Essas doações não servem aos interesses republicanos, mas sim a interesses privados em estreitar relações comerciais entre empresas e o poder público, visando à captura do Estado.

Neste caso, também não faltam exemplos concretos que comprovam essa realidade. Os maiores doadores nas últimas eleições com financiamento privado, em 2014, foram o grupo JBS e empreiteiras como a OAS, Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez — todas envolvidas nos maiores escândalos de corrupção daquele período.

A aprovação dessa matéria contraria o interesse público, promovendo maior desigualdade na representação política, fortalecendo elites partidárias, enfraquecendo a transparência e a honestidade no uso de recursos públicos, além de garantir a impunidade da corrupção partidária.

Sua aprovação por ampla maioria, com o apoio de todos os partidos, desde o PT, de Lula, até o PL, de Bolsonaro, com a notável exceção do PSOL e do NOVO, reforça uma triste imagem para a sociedade de que, acima de qualquer ideologia, o que une a classe política brasileira é a defesa de seus próprios interesses. Essa imagem fomenta a negação da política e o distanciamento entre representantes e representados, aprofundando ainda mais o desgaste de nossa democracia.

Reações contrárias na sociedade civil e imprensa

Apesar disso, cabe destacar o papel fundamental desempenhado pela imprensa e pelas organizações da sociedade civil, que por meio de notas, reportagens e manifestações contribuíram para subsidiar o trabalho dos deputados que obstruíram a matéria e aumentaram o custo político do tema, postergando sua votação por algumas semanas. A manutenção e ampliação desses esforços serão fundamentais para impedir a aprovação da PEC no Congresso Nacional.

Essa PEC pode representar apenas mais um pequeno passo para os políticos na preparação de suas candidaturas para 2024 e 2026, mas são três grandes passos em direção à impunidade. Devemos permanecer vigilantes e continuar a lutar para que, na discussão de mérito na Comissão Especial, os interesses da sociedade sejam respeitados e ouvidos e que a matéria seja rejeitada.

  • André Amaral

    André é analista de relações governamentais da Transparência Internacional - Brasil

Grupo de Trabalho

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