Sem transparência pública não há combate à corrupção. Acessar as informações de interesse público é um direito previsto na Constituição Federal brasileira e deve, portanto, ser garantido pelo Estado. No Brasil, esse direito é regulamentado pela Lei de Acesso à Informação (LAI), que hoje completa 10 anos de vigência e, ainda que enfrente diversos desafios, representa uma importante conquista da sociedade brasileira.
A LAI determina as regras para o registro de pedidos de acesso à informação aos órgãos públicos. Aliado à obrigatoriedade de divulgação proativa de informações de interesse público, essas regras são importantes ferramentas para o exercício do controle social e da prestação de contas do poder público.
É possível notar a evolução do registro de pedidos de acesso à informação nesses 10 anos. Segundo os dados do Painel da Lei de Acesso à Informação da Controladoria Geral da União, mais de um milhão de pedidos já foram registrados aos órgãos federais brasileiros desde 2012.
Por promover a transparência, elemento fundamental para as democracias contemporâneas, a LAI é uma das principais aliadas da agenda de combate à corrupção. A abertura de dados e informações públicas possibilita que casos de corrupção, de mau uso dos recursos públicos e de fraudes sejam identificados e devidamente apurados. Além disso, quanto mais expostos ao escrutínio público, maiores as chances de determinada irregularidade vir à tona, fazendo com que menos agentes públicos se exponham a este risco.
Além disso, a transparência pública é condição essencial para o fortalecimento e estímulo à participação social no controle e monitoramento das decisões públicas, garantindo maior accountability da gestão pública. Apesar de ser uma legislação recente, ativistas, jornalistas e organizações da sociedade civil já a utilizam como forma de defesa de seus direitos, como instrumento de advocacy, e como fonte para apurações jornalísticas.
Em uma década de vigência da LAI, vimos surgir diversas reportagens, baseadas em pedidos de acesso à informação, que lançaram luz sobre casos de corrupção, conflitos de interesse, mau uso dos recursos públicos e fraudes que deram origem a investigações por órgãos de controle. A série de reportagens do jornal Estadão, sobre o esquema de Orçamento Secreto, e a reportagem do UOL, que revelou a existência de funcionários fantasma nos gabinetes da família Bolsonaro,, são bons exemplos dessa prática.
Os obstáculos enfrentados pela LAI
Mesmo diante de perceptíveis avanços, também são encontradas diversas dificuldades para a implementação dessa lei, impactando assim a plena utilização de seu potencial para o combate à corrupção e defesa de direitos.
Alguns desafios são estruturantes da própria legislação, como a definição do conceito de informação pessoal e os critérios que devem ser adotados quando é necessário balancear o interesse público da disponibilização da informação e a possibilidade de ferir a proteção de dados pessoais. A ausência de critérios claros para a classificação de informações como sigilosas pode abrir precedentes perigosos para inibir esse direito.
Dados sobre acesso a prédios públicos federais, processos administrativos relativos a investigação contra o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazzuelo, a carteira de vacinação do presidente Bolsonaro e despesas com o cartão corporativo, são algumas das informações de interesse público que se encontram em sigilo de até cem anos imposto arbitrariamente pelo Governo Federal.
Além disso, a desigualdade de implementação e total cumprimento da legislação tanto nos diferentes níveis federativos (federal, estadual e municipal) como entre os poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) também se apresenta como um importante desafio.
Cabe ressaltar ainda que os últimos quatro anos têm sido marcados como um período de ataques e retrocessos quando o assunto é direito à informação.
- Em 2019, a gestão Bolsonaro tentou ampliar o rol de pessoas autorizadas a classificar informações públicas como secretas e ultrassecretas, por meio do Decreto n° 9.690/2019, medida que depois foi revertida.
- Já em 2020, no contexto da pandemia de Covid-19 editou a Medida Provisória n° 928/2020 que suspendia prazos da Lei de Acesso à Informação devido ao regime de teletrabalho dos servidores públicos, outra medida que posteriormente também foi suspensa.
- Em 2021, por meio de uma resposta de pedido de acesso à informação, um jornalista comprovou que o governo federal estava negando o atendimento de acordo com a LAI por ‘risco político’ identificado na resposta.
Não basta ter a lei, é preciso cumpri-la
O avanço promovido pela Lei de Acesso à Informação nestes dez anos é inegável e a lei tem representado um passo importante para a construção de políticas públicas mais transparentes e suscetíveis ao controle público. Contudo, apesar de estar amparado por uma boa legislação no país, nossa experiência recente mostra que este é um direito fundamental que ainda sofre reveses e ataques de acordo com a vontade política dos governantes.
Para além da existência de normativos, é necessária uma cultura política democrática que partilhe da importância da transparência, de uma sociedade civil atuante que monitore, cobre e fiscalize o cumprimento da LAI, e de um alinhamento a esses princípios às agendas adotadas pelos governos nos três níveis federativos e em todos os poderes da república.