Pesquisa feita pela Quaest para a Transparência Internacional – Brasil com executivos e profissionais de compliance das maiores empresas brasileiras revela que, para 85% dos entrevistados, o governo federal não demonstra compromisso nem adota ações efetivas para o combate à corrupção.
Entre estes executivos de referência na prática anticorrupção, seis de cada dez disseram acreditar que as instituições brasileiras de controle e combate à corrupção no nível federal — seja no Executivo, no Legislativo ou no Judiciário — não têm capacidade adequada nem independência suficiente.
Essa avaliação piora quando a pergunta é sobre instituições nos níveis estaduais e municipais. Neste caso, 84% disseram acreditar que os órgãos subnacionais de controle e combate à corrupção não têm capacidade adequada nem independência suficiente.
De maneira geral, a grande maioria dos consultados acredita que, nos últimos dois anos, as ações de fiscalização sobre corrupção e lavagem de dinheiro diminuíram (49% dos respondentes) ou permaneceram estáveis (41%) no país.
Questionados sobre o que mais pode atrapalhar ações de combate à corrupção, 50% dos respondentes indicaram a politização do combate à corrupção, 42% as decisões questionáveis do Poder Judiciário, e 8% disseram ser a falta de empenho e capacidade dos órgãos responsáveis pelas investigações. Para 94% dos ouvidos, as anulações de casos de corrupção pelo Poder Judiciário podem afetar muito a percepção de impunidade e prejudicar a integridade no ambiente de negócios no Brasil.
A visão crítica desses profissionais sobre o Executivo e o Judiciário se estende também ao Poder Legislativo. É opinião quase unânime (96%) dos respondentes que o “orçamento secreto” e as “emendas Pix” aumentaram o risco de corrupção nos municípios brasileiros.
A Transparência Internacional – Brasil, junto com organizações parceiras, denunciou, em setembro de 2023, a persistência do “orçamento secreto” em desobediência do Congresso Nacional à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) do ano anterior. Foi esta denúncia que levou à decisão do ministro do STF Flávio Dino de suspender a execução das emendas enquanto não fossem adotadas medidas adequadas de transparência e controle. Uma semana após o Congresso aprovar uma lei para regulamentar a execução das emendas, o ministro emitiu, nesta segunda, nova decisão, em que revoga a suspensão das emendas, mediante o cumprimento do disposto na nova lei e outras exigências da decisão do STF, que não estavam contempladas no texto legal.
A nova decisão de Dino foi debatida durante o evento de lançamento da pesquisa “Corrupção e Integridade no Mercado Brasileiro: a percepção dos profissionais de compliance 2024”, em um painel que discutia o “orçamento secreto”, com a participação do ministro da Controladoria-Geral da União, Vinícius de Carvalho, a deputada federal Adriana Ventura (NOVO-SP) e Maria Dominguez, pesquisadora do Ipea em projeto sobre emendas parlamentares e professora do curso Compliance e Governança Pública do Insper, mediada pelo repórter Breno Pires, da revista Piauí.
Há três anos, a TI Brasil vem denunciando o ‘orçamento secreto’ como o maior esquema de corrupção institucionalizada já revelado no Brasil. Além de destruir a capacidade de formulação técnica de políticas públicas, explodir a corrupção em nível municipal e distorcer gravemente a competição eleitoral, a pesquisa que lançamos hoje revela seu impacto também para o compliance das empresas, principalmente para aquelas que têm que contratar com o poder público em nível local, com recursos de emendas.
Bruno Brandão, diretor-executivo da Transparência Internacional – Brasil
A pesquisa ouviu 91 profissionais da área de compliance, entre eles executivos, que trabalham entre as 250 maiores empresas brasileiras segundo o ranking Valor 1000, entre os dias 5 e 28 de novembro. A coleta de dados ocorreu por meio da aplicação online de questionários estruturados.
Os resultados foram divulgados, nesta segunda-feira (2), durante o evento “Perspectivas para a Integridade e para o Combate à Corrupção”, promovido pela Transparência Internacional – Brasil e pelo Insper.
Veja a pesquisa completa aqui.
Sistemas pouco maduros
A pesquisa também buscou medir a confiança dos executivos nos sistemas de integridade e padrões de compliance adotados pelas próprias empresas e pelo mercado brasileiro em geral. Para 95% dos entrevistados, os sistemas de integridade no ambiente empresarial brasileiro ainda são imaturos, para 52% dos entrevistados o ambiente de integridade no ambiente de negócios no Brasil não está melhor que há dois anos.
A avaliação de 94% dos ouvidos é que micro e pequenas empresas ainda não adotam práticas adequadas. Já para 95% dos entrevistados, empresas de atuação internacional, sujeitas às legislações anticorrupção estrangeiras, têm sistemas de integridade mais robustos e eficientes que empresas exclusivamente nacionais.
Em relação aos setores econômicos, o setor financeiro foi citado como tendo o compliance mais desenvolvido, e o agronegócio, o pior.
Apesar das deficiências apontadas, o investimento em compliance não parece estar crescendo no país, ao contrário. Para 39% dos respondentes, esse investimento nas empresas brasileiras ficou estável nos últimos dois anos e, para 33%, ele caiu.
Essa desaceleração ou possível desinvestimento pode estar relacionado às graves falhas apontadas pelos profissionais de compliance na atuação dos poderes públicos frente à corrupção. Segundo a pesquisa, 84% dos respondentes vêm relação entre o enfraquecimento da luta contra a corrupção e o desinvestimento no compliance.
É muito preocupante que os maiores especialistas de compliance no Brasil sejam praticamente unânimes ao considerar imaturos os sistemas de integridade das empresas no país. É ainda mais alarmante que o setor mais dinâmico da economia brasileira, o agronegócio, seja considerado o menos desenvolvido em padrões de compliance. A impunidade da qual desfrutam grandes empresas , mesmo após confessarem esquemas de macrocorrupção, certamente não ajuda a criar incentivos para a melhoria da integridade no ambiente de negócios.
Janaína Pavan, coordenadora de governança e integridade na Transparência Internacional – Brasil